‘Não dói’, diz capixaba que viajou 1,8 mil km para doar medula óssea; veja quem pode e como ser voluntário


O processo de doação do corretor de imóveis André Vicente durou 390 dias, desde a notícia de que ele poderia ser compatível até a realização do procedimento, com todo o suporte do Redome e sem nenhum custo para o doador. O corretor de imóveis, André Vicente, de 32 anos, doou medula para paciente com linfoma não Hodgkin. Espírito Santo.
Arquivo pessoal
A conhecida frase “Um gesto pode mudar vidas” ganhou um novo significado para o capixaba André Vicente, de 32 anos. Há mais de um ano, o corretor de imóveis recebeu a notícia de que poderia ser compatível com um paciente que estava precisando de um transplante de medula óssea e resolveu fazer a doação, que aconteceu a 1,8 mil quilômetros de Vitória, cidade onde mora.
Quando o procedimento é realizado entre não parentais (pessoas que não são parentes), a chance de compatibilidade é de 1 para cada 100 mil doadores. Então, é correto dizer que a chance de poder ajudar um desconhecido bateu à porta de André.
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Capixaba vai a Recife e doa medula para paciente com linfoma não Hodgkin
Todo o processo durou 390 dias, desde o recebimento da notícia de que poderia ser compatível até a realização da doação. Tudo auxiliado pelo Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) e sem custo para o doador.
“No começo foi um susto. Conversei com a minha mãe, pesquisei na internet e fui desmistificando o processo. Desde o começo eu disse: se eu fizer o teste, não vou desistir”, contou.
Processo longo e cuidadoso
Há dois anos, o corretor se cadastrou no Redome, durante um mutirão realizado no local de trabalho de um colega.
“Eu fui doar sangue e uma pessoa me abordou perguntando se eu era doador voluntário de medula. Nem sabia o que era o Redome, mas me explicaram brevemente como funcionava o cadastro, e aceitei”, relata.
O assunto ficou esquecido até outubro de 2023, quando ele foi informado sobre sua compatibilidade com um paciente. Ao aceitar prosseguir com o processo, novos exames foram feitos em março de 2024, em Juiz de Fora, Minas Gerais, garantindo a possibilidade de realização do transplante.
Nesta etapa, André soube apenas que a receptora seria uma mulher.
Capixaba vai a Recife e doa medula para paciente com linfoma não Hodgkin. Espírito Santo
Arquivo pessoal
O procedimento, entretanto, foi adiado a pedido da equipe médica da receptora. Em agosto, o processo foi retomado, e novos exames foram feitos em outubro.
Em novembro, o corretor viajou para Recife para concluir a doação, uma distância de 1,8 m quilômetros da capital capixaba, e ficou na cidade do dia 16 até o dia 24, acompanhado da mãe. A doação foi feita no Hospital Real Português, referência no procedimento.
250 ml de medula retirados
Capixaba vai a Recife e doa medula para paciente com linfoma não Hodgkin. Espírito Santo
Arquivo pessoal
O procedimento, conhecido como aférese, envolveu a coleta de 250 ml de medula óssea por meio de um cateter instalado na veia femoral. Foram quase cinco horas separando as células-tronco do sangue.
“Foi tranquilo. Não é feito em centro cirúrgico, é em uma sala, parecida com ambiente de hemodiálise. Você fica deitado, assistindo TV, pode comer, só não pode levantar. Não dói. O sangue passa pela máquina, é filtrado, e volta para o corpo. O único desconforto foi a sensação de frio durante o processo, a enfermeira explicou que ele esfria fora do corpo e quando volta está mais frio, então a gente recebe muitos cobertores”, contou.
A preparação incluiu a aplicação de medicamentos para estimular a produção de células-tronco, além de anticoagulantes para prevenir tromboses.
Esperança de salvar uma vida
Capixaba vai a Recife e doa medula para paciente com linfoma não Hodgkin. Espírito Santo
Arquivo pessoal
Após a conclusão da retirada de medula, André soube mais alguns detalhes sobre a paciente. A mulher tem 38 anos, pesa 70kg, e sofre linfoma não Hodgkin, um tipo de câncer que se origina no sistema linfático, parte do sistema imunológico, e que se espalha de forma desordenada.
A bolsa de medula óssea coletada foi enviada para Curitiba. À noite, quando as enfermeiras estiveram com André para retirar o acesso que estava na veia da virilha, informaram que a paciente já tinha recebido a doação.
“Minha maior esperança é que ela se cure, que fique bem. Hoje, não tenho curiosidade de conhecê-la, minha preocupação é com sua recuperação. Talvez no futuro eu procure”, reflete.
O que é e como funciona o Redome
REDOME – Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea
Reprodução/TV Globo
O Redome é o terceiro maior registro de doadores de medula óssea do mundo e faz parte de uma rede internacional que permite busca de doadores em outros países, caso não haja compatibilidade no Brasil.
“Cerca de 30 a 35% dos transplantes feitos no Brasil com doadores não aparentados são realizados com doadores estrangeiros”, ressalta Danielli.
No Brasil, todos os custos relacionados à doação – incluindo transporte, hospedagem e alimentação do doador e de um acompanhante – são custeados pelo Redome, por meio do Sistema Nacional de Transplantes, financiado pelo Ministério da Saúde.
Em 2023, 373 transplantes de medula óssea foram realizados no Brasil. Já em 2024, foram 320 procedimentos até o dia 27 de novembro.
Desses, oito envolveram pacientes capixabas, 4 em 2023 e 4 este ano. Além disso, sete doadores do Espírito Santo realizaram a doação no ano passado e um este ano.
Atualmente, existem 5.869.753 pessoas cadastradas no Redome, voluntários a serem possíveis doadores, sendo 105.707 no estado. E cerca de 650 pacientes em busca de um doador não aparentado.
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A hematologista Danielli Oliveira destacou que o cadastro no Redome é essencial para salvar vidas, mas reforçou a necessidade de mantê-lo atualizado.
“Quando a pessoa se cadastra, fornece dados e uma amostra para checagem genética inicial. Esses dados ficam ativos até a pessoa completar 60 anos. Ela se compromete no momento do cadastro. Então é importante a gente conseguir encontrá-la em caso de compatibilidade. Atualizações podem ser feitas pelo site do Redome, por chatbot ou presencialmente em hemocentros”, explicou a médica.
O transplante e suas indicações
Medula óssea coletadas em tubos
Hemepar
O transplante de medula óssea é indicado principalmente para doenças como leucemias agudas e outros tipos de cânceres hematológicos.
“A maioria dos pacientes não encontra um doador compatível na família e, por isso, recorremos ao Redome ou a registros internacionais”, afirma Danielli.
Ela explicou que o processo de receber a medula é semelhante a uma transfusão de sangue, entretanto, a preparação é um pouco mais complexa.
“O paciente precisa passar por um preparo rigoroso antes do transplante, e o sistema imunológico é praticamente zerado. Após o procedimento, ele ainda precisa de cuidados especiais, como evitar infecções e receber novas vacinas. Mas, passada essa fase, a vida pode voltar ao normal”, apontou.
Um dos grandes desafios, segundo Danielli, é desmistificar a doação de medula óssea.
“Muitos acreditam que o procedimento é doloroso ou perigoso, mas a verdade é que ele é seguro, realizado em centros especializados, com profissionais qualificados. A principal técnica utilizada hoje, a aférese, não exige cirurgia e é bem menos invasiva.”
Ela também esclareceu sobre possíveis complicações.
“A rejeição do transplante, com doadores compatíveis, é rara. O que pode ocorrer com mais frequência é a chamada doença enxerto versus hospedeiro, em que células do doador atacam as células do paciente. Contudo, com boa seleção do doador e medicamentos adequados, conseguimos controlar.”
O papel do voluntariado
O corretor de imóveis, André Vicente, de 32 anos, doou medula para paciente com linfoma não Hodgkin. Espírito Santo.
Arquivo pessoal
No Brasil, o cadastro de doadores pode ser feito em todos os estados, mas a coleta de células e os transplantes acontecem em centros especializados, majoritariamente nas regiões Sul, Sudeste e em alguns estados do Nordeste.
No Espírito Santo, por exemplo, os transplantes entre doadores não aparentados ainda não são realizados, mas os pacientes podem ser encaminhados para outros estados.
A idade do doador também é um fator crucial.
“Quanto mais jovem o doador, melhor para o paciente. A idade inicial para cadastro foi reduzida nos últimos anos, e agora é até os 35 anos. Uma pessoa cadastrada jovem pode permanecer no registro por mais tempo”, explica Danielli.
Danielli reforçou a importância do cadastro no Redome.
“Quem não se cadastra, tira a chance de alguém encontrar um doador. Temos uma porcentagem de pacientes, entre 10 e 15% no mundo, que não vão encontrar um doador, não vão ter uma combinação genética. Mas, para todo o resto existe uma possibilidade.
Para a médica, o impacto do transplante é transformador. A hematologista lembrou do caso da primeira paciente transplantada no Brasil, há quase 30 anos.
“Ela se formou, casou, teve filhos e hoje está na faixa dos 40 anos. É um exemplo de como a doação pode salvar vidas”, disse.
André compartilhou o apelo da especialista.
“Quando você não é voluntário, tira a chance de alguém encontrar um doador. O procedimento não é doloroso, não tem custo, e o Redome oferece todo o suporte. Muitas pessoas têm medo ou acreditam em mitos, mas o risco é mínimo. O que fica é a gratificação de saber que você salvou uma vida”, afirmou o doador.
Como se tornar um doador de medula óssea
Hemocentro do Espírito Santo (Hemoes), em Vitória.
Sesa/ES
Para se tornar um doador voluntário de medula óssea, é preciso ir a um hemocentro, realizar o cadastro no Redome e coletar uma amostra de sangue (10 ml) para exame de tipagem HLA.
No Espírito Santo, o local a ser procurado é o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado (Hemoes).
O que é necessário?
Ter entre 18 e 35 anos de idade (O doador permanece no cadastro até 60 anos e pode realizar a doação até esta idade).
Um documento de identificação oficial com foto.
Estar em bom estado geral de saúde.
Não ter nenhuma doença impeditiva para cadastro e doação de medula óssea.
Mais informações podem ser acessadas no site do Redome.
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