Balas perdidas no Grande Recife deixam 40 vítimas e causam oito mortes no primeiro semestre de 2024


Registro é o mais alto desde que o Instituto Fogo Cruzado chegou a Pernambuco, em 2018. Entre janeiro e junho de 2024, 40 pessoas foram vítimas de balas perdidas na Região Metropolitana do Recife, apontam dados do Instituto Fogo Cruzado. É o semestre com mais casos desse tipo de crime desde que o levantamento da organização teve início, em 2018. Oito pessoas morreram.
Comparando com o mesmo período do ano passado, os números subiram 53%. O primeiro semestre de 2023 foi marcado por 26 crimes deste tipo, sendo duas mortes. O ano de 2023 inteiro registrou sete assassinatos.
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“A gente não tem mais vida, não tem mais paz, felicidade. É só chorar aqui. Choro dentro do carro, choro no trabalho, choro quando estou indo para o curso. Tudo lembra ele”, diz Davidson José da Silva, pai do menino Darik Sampaio, de 13 anos, que morreu após ser atingido por dois tiros no bairro do Jordão, Zona Sul do Recife.
O garoto morava com os pais e a irmã caçula no bairro do Ibura. Desde os sete anos, Darik tinha o sonho de ser jogador de futebol. Era atleta de futsal sub-14 do Sport Club do Recife, colecionando troféus e medalhas.
Na noite do dia 16 de março, Darik voltava para casa quando parou na calçada para conversar com duas amigas. Os dois disparos atingiram o rapaz durante uma perseguição policial a bandidos que fugiam num carro roubado.
Uma câmera de segurança registrou o momento em que dois carros passam pela rua, seguidos por duas viaturas da Polícia Militar (veja vídeo abaixo). Enquanto um dos veículos segue o caminho e sai do enquadramento da câmera, o segundo para e um homem desce. Nas imagens, não é possível ver se ele está armado.
Vídeo mostra perseguição policial que deixou adolescente morto
Na gravação, os policiais também descem das viaturas e começam a atirar na direção do homem que havia acabado de sair do automóvel roubado. Ele corre para o veículo, que dispara novamente em fuga. Os policiais vão atrás.
“Não foi uma bala perdida. A gente questiona porque se fosse um tiro, a gente até [dizer]: ‘poxa foi um tiro’, né? Mas são dois tiros, dois disparos. E onde ele estava tem 10 marcas de tiro. Tem três onde ele estava sentado na calçadinha com as meninas, duas na parede da casa da menina, também tem dois no poste, fora os projéteis que a gente encontrou no chão, que foram entregues à polícia”, afirmou o pai Darik.
Desde o começo do ano, o Fogo Cruzado registrou casos como o de Darik em sete municípios:
Recife: 23 (57,5%);
Olinda: 5 (12,5%);
Jaboatão dos Guararapes: 5 (12,5%);
Cabo de Santo Agostinho: 3 (7,5%);
São Lourenço da Mata: 2 (5,0%);
Paulista: 1 (2,5%);
Ilha de Itamaracá: 1 (2,5%).
Seis bairros concentram quase metade das vítimas:
Brejo da Guabiraba (Recife): 6 casos (15%);
Prado (Recife): 3 casos (7,5%);
Varadouro (OLINDA): 3 casos (7,5%);
Centro (São Lourenço da Mata): 2 casos (5%);
Coelhos (Recife): 2 casos (5%);
Socorro (Jaboatão dos Guararapes): 2 casos (5%).
“De modo geral, as vítimas de tiro aqui na Região Metropolitana são em sua maioria homens, jovens, negros e moradores de regiões periféricas. A gente faz um ranking de municípios e bairros. É importante dizer que isso não é para reforçar estigmas, mas para dizer que existe uma violência ali que é recorrente, que é cotidiana às vezes. E que nada é feito em relação a isso”, explicou Ana Maria Franca, coordenadora regional do Fogo Cruzado em Pernambuco.
Desde 2018, Recife, Jaboatão, Olinda e o Cabo de Santo Agostinho registram casos de balas perdidas em todos os anos no levantamento feito pelo instituto.
Para Franca, esse tipo de crime é decorrência do aumento geral da violência. “O tiro desconhece fronteiras. Quando um tiro é disparado, qualquer pessoa que está no entorno está em risco. Então, se você tem mais ocorrências de tiro, você vai ter mais pessoas em risco também”, disse.
Luís Guedes é pai de uma bebê de dois meses que quase perdeu a vida horas depois de nascer, ao ser atingida de raspão por uma bala dentro do Hospital Barão de Lucena, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. O caso aconteceu no dia 26 de maio. A bebê estava dormindo perto da janela, no quinto andar da unidade de saúde.
Cabeça de uma bebê recém-nascida que estava internada no Hospital Barão de Lucena foi atingida de raspão por uma bala perdida
Reprodução/WhatsApp
“Isso aconteceu às sete e meia da noite. Tinha eu, minha esposa e mais duas mulheres com as criancinhas que também tinham acabado de nascer. A minha estava dormindo bem de frente para a janela, que estava aberta. De repente, a gente escutou aquele barulho. Minha filha acordou aos prantos. Eu fui correndo, desesperadamente, e peguei ela. Ela chorava muito. Quando eu olhei, do ladinho da cabeça dela, estava a bala”, contou.
Luís conseguiu registrar um boletim de ocorrência na Delegacia do Cordeiro no dia seguinte ao ocorrido, mas diz que nunca teve uma resposta da Polícia Civil. Ele quer saber de que arma partiu o tiro que feriu de raspão a menina.
Para a coordenadora do Instituto Fogo Cruzado, políticas públicas de segurança são a melhor estratégia para prevenir esse tipo de violência. Ana Maria Franca considera que o plano de segurança implementado em Pernambuco até agora não conseguiu trazer a tranquilidade que a população espera.
“As pessoas morrem e nada é feito em relação a isso. No caso do estado de Pernambuco, a gente tem aí um plano de segurança que não vem sendo efetivado porque essas taxas não reduzem, esses números não abaixam”, afirmou Franca.
O que diz o governo?
Por meio de nota, a Secretaria de Defesa Social afirmou que:
Investiga todas as ocorrências que surgem, buscando esclarecer todos os fatos;
Monitora a presença e coíbe a instalação e expansão de organizações criminosas no Estado;
As motivações dos casos de balas perdidas estão relacionadas ao cenário de violência armada brasileira, dentre as quais a disputa de território por criminosos, principalmente os envolvidos com o tráfico de drogas;
A polícia evita disparar quando há a mínima possibilidade de atingir civis; os criminosos não têm este cuidado;
Sobre o caso Darik, a polícia segue investigando, com a realização de diligências, e mais detalhes serão passados quando o inquérito for concluído;
Sobre o caso da bebê, o inquérito foi concluído e remetido ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
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