Mulher com ‘pior dor do mundo’ diz que deixou de fazer coisas que gosta para não sofrer com ‘choques’


Ana Maria Tosta foi diagnosticada com neuralgia do trigêmeo há um ano e chegou a pensar que problema era com prótese dentária. ‘Lembro da vida sem dor e sinto saudades’, diz. Ana Maria Tosta, de Ribeirão Preto (SP), foi diagnosticada com ‘a pior dor do mundo’ em 2023
Arquivo pessoal
Em 2023, a secretária acadêmica Ana Maria Carrér Tosta, de 63 anos, foi diagnosticada com neuralgia do trigêmeo em Ribeirão Preto (SP). A doença é conhecida como ‘a pior do mundo’, por provocar dores que lembram choques elétricos e facadas, a depender do caso.
A doença de Ana Maria é a mesma que de Carolina Arruda, de 27 anos, diagnosticada aos 16. E apesar de rara nos dois casos, a neuralgia do trigêmeo é ainda mais incomum para Carolina, por conta da idade dela.
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Ana Maria tem tentado lidar com a doença da forma que pode nos últimos meses. Mas comer, por exemplo, uma das coisas que ela mais gostava de fazer, está deixando de ser prazeroso.
“Lembro da minha vida sem dor e sinto saudades. A dor é frequente, sinto o tempo todo. Só não sinto quando estou com a boca fechada ou dormindo”.
Esta sensação de dor, diz Ana Maria, é constante e dura o dia inteiro.
“Quando eu como, quando eu falo, quando eu passo a língua nos dentes. É o tempo todo com aquilo, é uma sensação de choque e parece que você está levando facadas no rosto. É uma coisa muito estranha, eu passo a mão em alguns lugares do rosto ou da cabeça, que parece que são terminações de nervos, e aí é terrível”.
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A secretária também afirma que, para tentar aliviar a dor, passou a comer menos e mais rápido, mas a família se preocupa em vê-la sofrendo.
“Eles ficam chateados de me ver sentindo isso. Quando vou comer, meu irmão fica olhando para mim, fica triste, ele percebe no meu rosto que eu tenho dor. A hora de comer é a pior pra mim. Como menos, porque quanto mais rápido eu acabar, mais rápido vou ficar livre daqueles choques. Tenho de comer, só que vou comer, vou sentir dor, vou sentir choque, vai ser horrível, mas tenho de comer”.
Neurologista que fez o diagnóstico de Ana Maria, Sidney Godoi, da Clínica Frankfurt, em Ribeirão Preto, afirma que, de fato, mastigação é um dos gatilhos para desencadear a dor.
“Quando você mastiga, quando começa a falar muito, articular muito a mandíbula também, isso pode desencadear as crises de dor”.
Ele explica que isso acontece porque o nervo trigêmeo tem três ramos: V1, V2, V3. Todos eles ligados à face da pessoa.
V1: ramo que liga o nervo ao olho
V2: ramo que liga o nervo ao maxilar
V3: ramo que liga o nervo à mandíbula
“A dor tem uma característica muito própria, não é algo difícil de fazer um diagnóstico, porque ela segue esse caminho do ramo do trigêmeo. É uma dor paroxística, vem tipo um choque de forte intensidade e dura de alguns segundos a poucos minutos, depois vai diminuindo, e depois volta de novo como um choque de intensidade muito forte. Quando a gente pega essas dores paroxísticas, que crescem em intensidade muito rapidamente e passam, a probabilidade de ser um trigêmeo é muito grande”.
Doença afeta pessoas com mais de 50 anos
Segundo o neurocirurgião Ricardo Santos de Oliveira, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e médico do Hospital São Lucas, a neuralgia do trigêmeo acomete quatro e cinco pessoas a cada 100 mil habitantes.
Em Ribeirão Preto, pelo menos 30 pacientes devem ter o diagnóstico da ‘pior dor do mundo’.
“É uma doença que ocorre a partir da quinta, sexta, sétima década de vida. Ou seja, acima de 60 anos é a idade mais frequente. É muito raro, muito raro, o aparecimento de neuralgia do trigêmeo em pacientes com idade inferior a 30 anos”, diz Oliveira.
Ana Maria Carrér Tosta, de Ribeirão Preto (SP), foi diagnosticada com neuralgia do trigêmeo em 2023
Arquivo pessoal
Ele explica que o trigêmeo é um nervo que nasce no interior da nossa cabeça.
“Está em uma região chamada tronco encefálico e esse nervo tem um trajeto dentro do crânio e depois um trajeto na face e a principal função desse nervo é dar pra gente a sensibilidade da nossa face. Então, quando você passa a mão de um lado do rosto, você sente esse nervo. Ele também tem função mastigatória ou seja, ele estimula os músculos, a musculatura da mastigação e também ajuda na lubrificação da córnea. Então ele tem várias funções”.
Segundo o neurocirurgião, a neuralgia do trigêmeo está relacionada ao aumento da pressão arterial. Por isso mesmo, é mais comum em paciente acima de 60 anos.
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“Por conta do aumento da pressão que ocorre lá no interior do crânio, uma dessas artérias acaba ficando muito tortuosa e começa a tocar na saída do nervo. Então esse batimento contínuo vai causando uma lesão no nervo”.
Oliveira diz que este nervo é como se fosse um fio de eletricidade. Uma vez desencapado, vai provocar choque.
“Se você tem o fio, você pode colocar a mão, porque ele está encapado, então você não vai levar choque. Mas, se ele tiver uma parte que esteja exposta, e aí a gente toca, a gente vai ter um choque. É mais ou menos o que acontece com o trigêmeo. O batimento da artéria vai causar uma lesão do nervo, vai ocasionar esse desencapado do nervo”.
Confusão com dor de dente
Ainda segundo Oliveira, na maioria das vezes, os pacientes que têm neuralgia do trigêmeo são diagnosticados na cadeira do dentista.
“A dor simula uma dor de dente. E aí não é incomum que esses pacientes cheguem para a gente, às vezes, já com algumas distrações dentárias feitas, achando que poderia ser dente”.
Foi assim com Ana Maria. A secretária já sentia dores dois anos antes de saber que tinha a doença e só descobriu porque achou que a prótese dentária que tinha precisava ser trocada.
“Nunca tinha sentido, achei muito estranho, mas como eu tinha uma prótese do lado esquerdo do rosto, achei que pudesse ser isso. Falava ‘só pode ser, não tem nada mais que isso’. E aí, fui ao dentista e falei o que eu estava sentindo, perguntei se ele achava se era possível, ele falou ‘olha, é possível, mas eu não posso te dar certeza, vamos fazer uma tomografia de face e ver se é'”.
Como a tomografia não deu em nada, ela fez a troca da prótese, mas a dor não passou.
“Deu uma ‘melhoradinha’, mas coisa de um mês. Depois voltou. Aí o dentista falou para procurar um neurologista. O neurologista me pediu uma ressonância do crânio, que é um exame horrível, e já estava com essa suspeita de que fosse neuralgia do trigêmeo. E realmente deu, foi quando ele me deu o diagnóstico”.
Godoi explica que essa confusão é comum, principalmente porque é uma dor que afeta especificamente a face.
“Já peguei vários casos em que a pessoa, quando chega para mim, chega contando a história de que já foi em um dentista, já foi em outro, em outro, tirou não sei quantos dentes e como não melhorava, [o dentista] mandou procurar o neurologista. A nervação do dente vem do trigêmeo, é um ramo do trigêmeo, então, às vezes, acaba confundindo uma coisa com a outra”.
Tratamento varia de paciente para paciente
A neuralgia do trigêmeo passou a ser mais falada há algumas semanas, quando uma mulher de 27 anos compartilhou nas redes sociais o dia a dia com a doença. Ela chegou a cogitar a hipótese de passar por uma eutanásia por conta das dores intensas.
Ana Maria nunca pensou na possibilidade, mas afirma que a doença é, de fato, incapacitante. Ela tem orientação médica para tomar dois remédios diferentes que podem amenizar a dor, mas atualmente optou por tomar apenas um deles.
“Relutei muito em começar, porque é uma medicação forte, controlada, para epilepsia. Demorei bastante para começar, desde que tive o diagnóstico, fiquei com a receita na bolsa e não comprava. Acabei tomando porque realmente não estava aguentando, dói demais da conta e o tempo todo. A gente não tem prazer em nada. Quando a gente acorda, fala ‘que bom, um novo dia’. Só que é um novo dia com dor, com esse choque o tempo todo’. Não tem um momento do dia que você está tranquilo”.
Uma das alternativas, é fazer um ‘bloqueio’ no nervo. “A gente faz um bloqueio chegando com uma agulha lá no nervo, e a gente faz como se fosse uma anestesia de dentista na face. Com isso, o indivíduo para de ter dor, fica uma anestesia na face”
Em outros casos, existe a possibilidade de uma microcirurgia neurovascular, como conta Oliveira.
“Coloca como se fosse um ‘calço’ entre artéria e nervo para não deixar a artéria bater mais no nervo, esse é o tratamento definitivo. Não é um nervo que dá paralisia, embora existam riscos da cirurgia, existe a paralisia de um outro nervo, chamado nervo facial. Mas aí você vai ter os riscos de cada procedimento. Mas, normalmente, quando é bem realizado e bem indicado, o índice de sucesso é bem importante. O paciente fica, muitas vezes, livre de dor”.
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