Como é ser um caçador de tornados: ‘Pessoas morriam enquanto eu coletava dados’


Especialistas buscam poderosos tornados pelos Estados Unidos. Eles procuram indicações da sua formação para tentar melhorar as previsões e os alertas meteorológicos. Os caçadores de tornados saem em busca de indicações que permitam melhorar as previsões e alertas meteorológicos
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“Percebi que, muito provavelmente, o tornado estava matando pessoas enquanto eu coletava dados”, afirma Robin Tanamachi. “Aquilo aumentou muito a gravidade da situação, mostrando realmente como era importante o trabalho que eu estava fazendo.”
Tanamachi é meteorologista, pesquisadora e professora da Universidade Purdue em Indiana, nos Estados Unidos. Ela relembra claramente seu tornado mais memorável.
O dia era 31 de maio de 2013. Ela acompanhava um tornado EF-3 extremamente grande e poderoso, perto de El Reno, no centro do Estado americano de Oklahoma. A velocidade do vento era de 475 km/h.
O tornado de El Reno foi o mais potente já registrado. Ele matou oito pessoas, incluindo três caçadores de tornados.
“Eu só me lembro de ter sido extremamente forte naquele ponto, emocionalmente falando, porque eu estava grávida de sete meses e a mudança de pressão me fazia ter contrações”, conta Tanamachi.
No novo filme Twisters, lançado em julho nos cinemas brasileiros, meteorologistas perseguem tornados que atingem cidades de Oklahoma.
Para o crítico da BBC Nicholas Barber, o filme traz atores carismáticos e sequências emocionantes, mas o seu enredo é fraco e mostra principalmente “personagens fracos que dirigem repetidamente no mau tempo”.
Como no filme, meteorologistas da vida real como Tanamachi caçam poderosos tornados pelos Estados Unidos. Eles procuram indicações da sua formação para tentar melhorar as previsões e os alertas meteorológicos.
A estação dos tornados no meio-oeste americano vai de março até o final de junho. E, no pico da estação, pode haver mais de 150 tornados nos Estados Unidos em um único dia.
Em média, 1,2 mil tornados atingem os Estados Unidos todos os anos, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês).
Nos últimos dez anos, o número de tornados no país variou de 908 a 1.818 por ano. Em 2023, foram 1.423 tornados, que mataram 83 pessoas – e, no primeiro semestre de 2024, 1.397 tornados tiraram a vida de 39 pessoas.
A força de um tornado é medida pelos danos que ele causa. E eles podem ser extremamente destrutivos.
Com ventos que atingem 483 km/h, os tornados causam danos de milhões e, às vezes, até bilhões de dólares todos os anos, além de incontáveis mortes.
Existem certos ingredientes atmosféricos importantes que se combinam para gerar tornados. Eles incluem o ar quente e úmido perto do solo, com ar seco e mais fresco por cima. E há o vento cortante, que aumenta a força das correntes ascendentes e promove o turbilhão giratório.
Os tornados destrutivos são gerados a partir de “supercélulas” – violentas tempestades que formam uma corrente ascendente giratória e trazem chuva pesada, fortes ventos e grandes pedras de granizo.
Um forte vento cortante vertical gera um cilindro de ar que gira horizontalmente, erguido pela corrente ascendente dentro da supercélula. Esse cilindro fica mais estreito e se alonga, girando cada vez mais rápido e formando o tornado.
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No olho do furacão
Por que algumas tempestades criam violentos tornados e outras não?
A resposta ainda é, em grande parte, um mistério da meteorologia. Os tornados são “raros, mortais e difíceis de se prever”, segundo a Noaa.
“Às vezes, supercélulas realmente perfeitas simplesmente não querem gerar um tornado para nós, elas ficam apenas girando”, explica Tanamachi. “E nós ficamos ali sentados, girando os polegares e esperando.”
O motivo que leva algumas tempestades a criar violentos tornados e outras não ainda é um mistério da meteorologia
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Tanamachi e outros meteorologistas tentam entender a “tornadogênese” – o processo de formação dos tornados.
“Este é realmente um dos últimos mistérios não resolvidos da ciência das fortes tempestades: a causa exata que leva ao colapso da circulação em escala suficientemente concentrada para que receba o nome de tornado”, explica ela.
“Sempre que fazemos um desses programas de campo, conseguimos mais algumas indicações. Mas também ficamos com mais perguntas que queremos responder. É uma fonte infinita de fascinação e curiosidade para todos nós.”
Karen Kosiba é caçadora de tornados e cientista atmosférica da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos. Ela afirma que a caça aos tornados é muito importante para compreender o que cria essas poderosas colunas giratórias de ar.
“Estamos tentando colocar estações meteorológicas portáteis no trajeto de um tornado, muito perto da tempestade e muito baixas, junto ao solo”, explica Kosiba.
Ela conta que os dados de campo ajudam a esclarecer o que acontece no processo de formação dos tornados, algo que os modelos de previsão meteorológica sozinhos não conseguem revelar.
Os modelos meteorológicos podem prever as condições ideais para a formação de tornados, mas costumam ter dificuldade para antecipar com precisão quando e onde eles irão surgir.
“Existe sinergia entre os modelos e as observações”, segundo Kosiba. “Você não consegue tudo dos modelos, nem das observações. Mas, quando você combina os dois, é possível formar um quadro melhor e mais amplo do que está acontecendo.”
Os cientistas usam modelos meteorológicos para identificar “condições aparentemente favoráveis para que as tempestades possam produzir tornados”, explica Kosiba.
“Nós, então, tentamos chegar àquela área, no dia ou na noite anterior… Dirigimos muito”, ela conta. “Nós nos reposicionamos continuamente.”
A janela disponível para que os caçadores de tornados possam reunir seus dados é muito estreita. “A real formação de um tornado, muitas vezes, acontece em uma escala de tempo de apenas alguns segundos”, segundo Tanamachi.
Os cientistas, normalmente, têm apenas cerca de 15 minutos para chegar ao local correto e configurar seus radares e aparelhos de monitoramento, segundo Kosiba.
“É difícil conseguir medições… A probabilidade de sucesso é baixa”, afirma ela. “É muito caro, tanto financeiramente quanto em termos de tempo.”
Cientistas como Karen Kosiba utilizam modelos meteorológicos para monitorar as condições que podem produzir tornados
JEN WALTON via BBC
Existe muito mais “tomada ativa de decisões” no monitoramento dos tornados do que no caso dos furacões, segundo Kosiba.
Os furacões se estendem por uma área maior, de até 1,6 mil quilômetros de diâmetro. E os cientistas normalmente conseguem prever seu trajeto três a cinco dias antes que eles toquem a terra, utilizando modelos meteorológicos.
Já os tornados são circulações em pequena escala. Eles raramente medem mais do que algumas centenas de metros de diâmetro e podem durar entre alguns segundos e mais de uma hora.
“É muito mais difícil prever tornados do que furacões”, afirma Kosiba. “Eles são eventos em pequena escala que acontecem na nossa atmosfera e é difícil saber se os ingredientes certos irão se reunir para que eles apareçam.”
Ameaça crescente
As mudanças climáticas estão alterando a duração e a localização da estação dos tornados nos Estados Unidos. Os limites geográficos da região sujeita a tornados estão se expandindo e a população de vastas extensões de terra está correndo para se adaptar às mudanças.
Nos Estados Unidos, os tornados normalmente ocorrem no chamado corredor de tornados. De forma geral, ele coincide com as Grandes Planícies e inclui os Estados americanos do Texas, Oklahoma, Nebraska e Kansas.
Mas as pesquisas indicam que a incidência de tornados está diminuindo nesses Estados – e vem aumentando no Tennessee, Geórgia, Arkansas, Kentucky e Alabama.
Alguns cientistas afirmam que o corredor de tornados está se ampliando e migrando para o leste e o sudeste dos Estados Unidos. E um estudo de 2023 concluiu que as supercélulas ficarão mais frequentes e intensas com o aumento das temperaturas.
A projeção é que as supercélulas fiquem mais numerosas em regiões do leste dos Estados Unidos e sua frequência seja reduzida em parte das Grandes Planícies, segundo as pesquisas.
Esta mudança preocupa os estudiosos dessas tempestades, pois os tornados no sudeste dos Estados Unidos são particularmente mortais. Naquela região, eles costumam surgir à noite nos meses de inverno, resultando em maior quantidade de mortes e destruição.
Os tornados também são detectados com mais dificuldade no sudeste americano, acidentado e coberto por árvores, do que no espaço aberto das planícies do meio-oeste, segundo o cientista pesquisador Harold Brooks, do laboratório nacional de tempestades severas da Noaa.
A densidade populacional no sudeste dos Estados Unidos também é mais alta. Segundo ele, existe maior número de casas pré-fabricadas móveis e mais comunidades de baixa renda, que são particularmente vulneráveis aos tornados.
“Por isso, os tornados naquela região tendem a ser mais mortais do que os do Meio Oeste”, afirma Brooks.
Se um tornado se formar no norte do Alabama ou no Mississippi, é mais provável que ele atinja um grande número de estruturas, segundo o pesquisador.
Mas as dificuldades de previsão fazem com que os avisos de tornado costumem ser emitidos apenas com 10 a 15 minutos de antecedência. Ou seja, quando os tornados ocorrem à noite, pode ser muito difícil alertar as comunidades vulneráveis a tempo para que elas busquem os abrigos contra tornados, explica Brooks.
“Um dos nossos grandes desafios é como informar as pessoas que moram na pobreza”, indica ele, já que essas pessoas não têm rádios meteorológicos em casa.
“É como acontece com qualquer outro desastre… as comunidades pobres tendem a sofrer mais danos [quando atingidas por tornados] porque não têm os recursos para receber as informações e reagir.”
Financiados pela Noaa, Kosiba e uma equipe de pesquisadores de universidades espalhadas pelos Estados Unidos estão reunindo dados de tornados no sudeste do país. A esperança é que eles irão ajudar a melhorar as previsões e alertas no futuro.
“Os tornados no sudeste são desafiadores e surpreendentes”, alerta Kosiba. “É realmente fundamental [conseguir melhor compreensão], pois existem muitas pessoas vulneráveis.”
Turismo de tempestades
Os cientistas não são os únicos que saem em busca das supercélulas.
Eles alertam que existem cada vez mais pessoas caçando tornados nas horas vagas. Com isso, as pesquisas científicas e as próprias vidas dos caçadores de tornados amadores estão em risco.
“Muitas pessoas pensam que o tornado é a sua única preocupação de segurança”, segundo Tanamachi. “Na verdade, não é – o próprio ambiente da tempestade é muito mais perigoso.”
Em média, 1,2 mil tornados atingem anualmente os Estados Unidos, causando 80 mortes e 1,5 mil feridos
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Os caçadores de tornados amadores costumam acompanhar o trajeto do tornado nos seus telefones celulares, seguindo aplicativos de radares meteorológicos. E este procedimento ao dirigir pode gerar acidentes, segundo Tanamachi.
“Dirigir distraído em condições muito ruins é uma combinação que pode criar um ambiente perigoso, que não tem nada a ver com o tornado em si”, explica ela. “Mais motoristas nos Estados Unidos morrem em estradas molhadas todos os anos do que nos tornados.”
Cerca de 5,7 mil pessoas são mortas e mais de 544.700 são feridas anualmente em acidentes em estradas molhadas nos Estados Unidos, segundo o Departamento de Transporte do país. E, em um ano médio, os tornados causam a morte de 80 pessoas e 1,5 mil feridos.
“O turismo de tempestades definitivamente prejudica o nosso trabalho científico”, afirma o meteorologista Erik Rasmussen, especialista em tempestades convectivas do laboratório nacional de tempestades severas da Noaa em Norman, no Estado de Oklahoma.
“A maioria de nós, na comunidade científica, pode ler os avisos de que esta [pesquisa científica de campo] está chegando ao fim”, explica ele. “Não conseguimos [atingir] a mobilidade e o posicionamento de que precisamos para coletar os dados.”
No futuro, os cientistas precisarão contar com aparelhos robóticos para coletar dados, devido ao enorme número de caçadores nos locais dos tornados, segundo Rasmussen. “Algumas tempestades agora são tão congestionadas que simplesmente não há forma de conduzir nossas pesquisas.”
É fundamental que os apreciadores de tempestades sejam orientados por especialistas. Isso irá permitir, segundo os cientistas, que eles procurem os tornados de forma segura.
Kosiba alerta que uma situação pode mudar com muita rapidez.
Ela se lembra de quando dirigiu uma equipe de cientistas que instalava estações meteorológicas à noite no Kansas, durante a estação de tornados de 2012. Estava escuro e a equipe confundiu sua posição em relação à tempestade.
“De repente, o vento ficou muito, muito forte para eles… Na verdade, eles já haviam entrado no tornado duas vezes”, ela conta.
“A maioria das pessoas não percebe que, às vezes, as imagens do seu aplicativo de radar podem ter atraso de até cinco minutos”, segundo Tanamachi, “e você pode não estar na posição segura sugerida pelo aplicativo.”
Ela recomenda que os apreciadores de tempestades realizem tours liderados por cientistas e caçadores de tornados experientes.
Tanamachi apoia totalmente os caçadores de tornados amadores, desde que eles sigam as orientações de segurança. Ela entende o que leva tantas pessoas a praticar esta atividade.
“Eu comparo a experiência com assistir a um eclipse solar – é algo quase espiritual”, afirma ela. Esta foi a sua experiência ao assistir a um tornado em lenta movimentação perto de Rozel, no Kansas, em 2013.
“Ele era muito fotogênico. Um funil delgado e pitoresco, em frente ao pôr do sol. Nós simplesmente nos sentamos e assistimos por 30 minutos. Foi realmente belo e transcendente.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.
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