Ceará é o estado que mais mata população LGBTQIA+ no Brasil pelo terceiro ano seguido, mostra Anuário da Segurança Pública


Estado lidera número de homicídios contra pessoas LGBTQIA+ desde 2021. Em 2023, também houve aumento no registro de agressões e estupros. Parada pela Diversidade Sexual do Ceará tem pautado violência e afirmação de direitos para pessoas LGBTQIA+
Ismael Soares/SVM
Pelo terceiro ano seguido, o Ceará aparece como o estado que mais registra homicídios da população LGBTQIA+ no Brasil, conforme levantamentos do Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Foram 44 mortes no ano de 2023, fazendo com que o Ceará mantenha a liderança no ranking de violência.
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Os dados referentes a 2023 foram divulgados nesta quinta-feira (18). O levantamento é realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança desde 2007, baseado em dados e indicadores oficiais fornecidos pelos estados.
O estudo mais recente mostra, também, o aumento de casos de agressões físicas e estupros contra esta população.
Homicídios
O Ceará aparece em primeiro lugar em homicídios de pessoas LGBTQIA+ desde 2021, com números que vêm crescendo a cada ano.
Em 2023, foram 44 mortes registradas no Ceará. O estado que aparece em segundo lugar em número de homicídios é o Maranhão, com 34 registros.
Confira o ranking dos homicídios contra a população LGBTQIA+ por estado:
Ceará: 44 homicídios
Maranhão: 34 homicídios
Minas Gerais: 32 homicídios
Pernambuco: 31 homicídios
Alagoas: 11 homicídios
No Brasil, os homicídios de pessoas LGBTQIA+ somaram 214 casos em 2023, tendo um aumento de 41,7% em relação ao ano anterior, com 151 registros.
Três estados não têm informações sobre os homicídios contra pessoas LGBTQIA+ no documento: Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Outros cinco estados estão com a categoria “fenômeno inexistente” para este tipo de crime: Acre, Amapá, Amazonas, Santa Catarina e Sergipe.
Agressões e estupros
O Ceará também teve um aumento nas notificações de lesões dolosas e estupros com vítimas LGBTQIA+. Foram 498 registros de agressões físicas em 2023, representando um crescimento de 14,5% em relação a 2022.
Para as lesões corporais, os estados que lideraram os registros foram Minas Gerais (596) e Pernambuco (585).
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Para os crimes de estupro contra pessoas LGBTQIA+, o Ceará teve 39 notificações no levantamento mais recente. A estatística subiu em relação a 2022, quando houve 32 casos registrados.
O que diz o governo do Ceará
Em nota ao g1, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará informa que reitera o compromisso em atender e acolher as demandas das pessoas LGBTQIA+.
Sobre os dados trazidos no Anuário, a pasta ressalta que o Ceará alcançou o quarto lugar dentre os estados do Brasil que trazem qualidade e transparência nos registros estatísticos sobre Crimes Violentos Letais e Intencionais.
Este dado também é trazido no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo a pasta, esta posição “reflete positivamente a notificação de casos registrados contra essa população”. A secretaria pontua, ainda, que nem todos os estados forneceram dados estratificados sobre as vítimas LGBTQIA+.
Perguntada sobre as ações para prevenir a violência contra esta população, a pasta detalhou algumas medidas adotadas e planejadas:
Em fevereiro, foi lançado o Painel Dinâmico de Monitoramento da Violência LGBTFóbica do Ceará. A ferramenta, em parceria com a Secretaria da Diversidade, coleta informações públicas com atualização mensal e deve seguir sendo aprimorada.
Uma nova tecnologia deve substituir o Sistema de Informações Policiais (SIP3W), atualmente utilizado pela Polícia Civil. O objetivo é conseguir cruzar dados estratégicos e melhorar a coleta de informações sobre as vítimas dos crimes, impactando o andamento dos inquéritos policiais e levantamentos internos.
Com pouco mais de um ano de funcionamento, a Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrim) é uma unidade especializada que investiga crimes de ódio contra grupos socialmente minorizados.
Os crimes contra pessoas da comunidade LGBTQIA+ seguem sendo investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e pelas delegacias de cada região. Mulheres trans e travestis vítimas de violência doméstica têm casos investigados por Delegacias de Defesa da Mulher em dez cidades.
Caso haja interesse das vítimas, a Polícia Militar do Ceará dispões do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (Gavv), com visitas contínuas para o rompimento do ciclo de violência e prevenção às mortes violentas.
Para monitorar e sugerir novos protocolos, a pasta também conta com o Observatório Cearense dos Crimes Correlatos por LGBTQIAPNfobias, com representantes das forças de segurança para analisar procedimentos policiais.
Violência e direitos ameaçados
Protesto de mães de pessoas LGBTQIA+ durante a XXII Parada pela Diversidade Sexual do Ceará
Kid Júnior/Sistema Verdes Mares
O cenário violento para a população LGBTQIA+ no Ceará é confirmado a cada ano de publicação do Anuário e também em levantamentos semelhantes organizados por outros grupos e coletivos.
Como lembra Dáry Bezerra, presidenta do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), o Brasil segue há 15 anos sendo o país que mais mata pessoas trans e travestis. O dado vem do relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Dáry pontua que coletivos, movimentos sociais e organizações não-governamentais em defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ têm se mantido em constante mobilização para cobrar políticas públicas e ações efetivas para prevenir a violência no estado.
“A gente tem também avançado em termos de políticas públicas no que se refere a esse acompanhamento dos dados. Mas é também uma questão bastante cultural do nosso país, do nosso estado, a LGBTfobia, que é estruturante da sociedade. Nesse sentido, precisamos também de uma ação para a mudança cultural das pessoas. A LGBTfobia é um processo que vem enraizado há centenas de anos e que não muda rapidamente”, contextualiza.
As medidas já adotadas nos últimos no Ceará são celebradas pelo grupo, como a criação da Secretaria da Diversidade e a criação da delegacia especializada para crimes de homofobia e transfobia.
No entanto, a presidenta da Grab comenta a necessidade de medidas que sejam mais efetivas para proteger a população das diversas formas de violência.
Além do acompanhamento das políticas públicas, o grupo de resistência tem levantado uma discussão que foi trazida como tema da Parada da Diversidade Sexual do Ceará neste ano: a representatividade da população LGBTQIA+ nos espaços da política brasileira.
“Nós temos um avanço do ultra conservadorismo, do fundamentalismo religioso judaico-cristão. Esse avanço está principalmente nas casas legislativas: nas assembleias, nas câmaras municipais. Então candidatos que são eleitos e que são da extrema direita ou dessa instância conservadora e fundamentalista estão legislando contra as populações LGBTQIA+”, pontua Dáry.
O Anuário Brasileiro da Segurança Pública traz uma análise que mostra as ameaças aos direitos já conquistados pela comunidade no Brasil.
Parada pela Diversidade Sexual do Ceará em 2024 trouxe debate sobre representatividade política
Ismael Soares/SVM
Como cita Juliana Brandão, doutora em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo e pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2022 foram contabilizados mais de 120 projetos de lei que vão contra os direitos LGBTQIA+.
A presidenta da Grab exemplifica o teor de alguns desses projetos de lei: evitar a discussão sobre orientação sexual e identidade de gênero nas escolas, não utilizar nomenclaturas e pronomes neutros para pessoas e negar o acesso ao esporte para pessoas trans.
Desta forma, ocupar posições em espaços de decisões políticas é visto como uma estratégia para defender os direitos e lutar contra a violência praticada contra estas populações.
Ainda segundo Dáry Bezerra, mesmo os dados conhecidos sobre homicídios e agressões ainda não dão conta do desafio vivenciado por esta população. Além da subnotificação de forma geral no país, ela destaca que nem todos os estados e municípios estão preparados para identificar corretamente os casos de LGBTfobia.
Como aponta a pesquisadora Juliana Brandão no Anuário, a subnotificação continua sendo uma das marcas da violência contra estas populações no Brasil, incluindo lesões corporais, homicídios e estupros.
“Estamos lidando como uma violência oculta, que deixa vítimas sem guarida legal, que favorece a impunidade e evidencia a inércia do Estado Brasileiro”, destaca a pesquisadora no documento.
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