Mesmo sem comunicação verbal, assistidos da APAE são amigos há 30 anos e vivem grudados: ‘Um espera o outro na porta’


Com deficiência intelectual, Calu e José Damião inspiram pessoas ao mostrar que afeto e companheirismo constroem a amizade. Para especialista, vínculos não dependem da oralidade. Calu e José Damião são amigos há mais de 30 anos
Reprodução/APAE
Trinta anos de amizade sem trocar uma só palavra. É assim que vivem José e Calu, dois assistidos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Ribeirão Preto (SP) que mantém uma linda história de companheirismo e afeto por décadas.
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No Dia Internacional do Amigo e da Amizade, comemorado neste sábado (2), o g1 conta a história dos dois.
Carlucci Ushirobira, o Calu, tem 53 anos e chegou na APAE em 1983. Mas a vida dele mudou mesmo em 1994, quando José Damião Bueno, hoje com 41 anos, também passou a frequentar a escola.
Ambos não falam, nem se comunicam por Libras, e são deficientes intelectuais. A identificação foi logo de cara e até hoje chama a atenção dos profissionais da associação.
“Eles não têm a fala, não verbalizam. A troca deles é específica dos dois, acontece só entre eles, desde que se conheceram. Eles se entendem, fazem piada entre eles e começam a rir, eles se entendem e dá muito certo”, afirma Yuri Oliveira, coordenador da APAE.
Yuri conta que os melhores amigos fazem praticamente tudo juntos durante a rotina no local. Um espera o outro chegar, guarda lugar para o outro no refeitório, se um atrasa, o outro espera na porta da sala de aula e, quando um chega, o outro se levanta para receber.
Eles se acolhem, se ajudam, tiram a mochila das costas, ajeitam o acento.
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Os dois até interagem com outras pessoas, mas só o necessário ou se são solicitados.
“Eles gostam mesmo é de estar um com o outro. Eles não se largam, é o tempo todo que está aqui é os dois no mundinho deles e assim toca o dia”, conta.
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Psicopedagoga e mestre em educação inclusiva, Carla Damasceno explica que este vínculo é essencial, uma vez que pessoas com deficiência intelectual aprendem por modelo, de ver o outro fazendo e estar com o outro.
“Desenvolve na pessoa laços que são para a vida toda, laços de segurança, de acolhimento que melhoram a autoestima e o aprendizado”.
Rotina na APAE
Os ‘amigos do peito’ frequentam a associação três vezes na semana, onde fazem juntos diversas atividades.
Eles participam de projetos de assistência social, cuidados básicos, cuidado instrumental, atividades socioeducativas, socioculturais e recreativas.
“Eles chegam, tomam café da manhã, vão para a sala com o educador para desenvolver as atividades. Se no dia tiver passeio, faz o passeio, almoçam e vão embora. Sempre quando tem eventos coletivos, como festas juninas, eles ficam juntos. A família precisa juntar a mesa. Se um não pode ir ao evento, o outro fica na porta esperando”, conta Yuri.
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Reprodução/APAE
Criação de vínculos é essencial
Carla explica que a criação de vínculos emocionais e laços humanos não dependem exclusivamente da linguagem verbal para se desenvolver.
Apesar de a comunicação oral ser importante, ela não é a única forma de realização de socialização.
“Temos que levar em consideração não somente a fala, mas também a comunicação gestual, escrita, comportamental, a forma de estar ao lado do outro, de se relacionar, a afetividade. Estar junto, sentar junto, almoçar junto, já é o suficiente para criação de vínculo”.
De acordo com a especialista, os laços afetivos são importantes para qualquer ser humano, mas para pessoas com deficiência intelectual, existe uma importância na sensação de acolhimento e pertencimento, de forma a trazer maior segurança e autoestima.
Comunicação própria
A afetividade em pessoas com deficiência influencia, inclusive, o desenvolvimento cognitivo e auxilia em todos os aspectos da vida dessas pessoas. Mesmo sem a linguagem verbal, Carla explica que essas pessoas se comunicam, sim.
“Quanto mais se convive e quanto mais esses laços se estreitam entre amigos, menos se precisa da linguagem oral. Cria-se uma linguagem não-verbal que é tão significativa quanto a oral”, diz.
É justamente o que acontece com Calu e José. Yuri diz que eles não se expressam por palavras, mas por gestos significativos e olhares de muita cumplicidade.
“É perceptível que se entendem e tem uma troca efetiva. Riem muito, demonstram muita alegria e felicidade pelo simples fato de estarem juntos por poucas horas”.
Amigos há mais de 30 anos mesmo sem linguagem verbal
Reprodução/APAE
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