Dos 235 mil peixes mortos a multa de R$ 18 milhões: veja raio x do desastre ambiental em santuário de animais no interior de SP


Poluição no Rio Piracicaba atingiu área de preservação do “minipantanal paulista”, que ocupa território equivalente a 14 mil campos de futebol. Estimativa é de 9 anos para recuperação. Peixes mortos na APA do Tanquã, em São Pedro
Jefferson Souza/ EPTV
A maior mortandade de peixes já registrada no Rio Piracicaba, que chegou até a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tanquã, no interior de São Paulo, matou cerca de 253 mil peixes em um trecho de 70 quilômetros.
O dano ambiental gerou uma multa de R$ 18 milhões à Usina São José, de Rio das Pedras (SP), apontada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) como a origem da poluição que gerou as mortes dos animais. O Ministério Público e Polícia Civil também investigam o caso e a empresa diz que não foi comprovada sua responsabilidade.
Nesta reportagem, por meio de dados oficiais e de especialistas, o g1 faz um raio x do caso, desde os primeiros registros da mortandade até o momento atual. Uma força-tarefa foi montada para remoção dos peixes mortos do Tanquã. Confira a seguir:
Imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após despejo irregular de usina
253 mil peixes mortos
De acordo com a companhia ambiental, ocorreu a morte de mais de 235 mil peixes (em estimativas conservadoras) na região urbana de Piracicaba, em 7 de julho, e na Área de Proteção Ambiental (APA) Tanquã, em 15 de julho. Em peso, a agência fiscalizadora estima que são, pelo menos, 50 toneladas de peixes.
Nível zero de oxigênio dissolvido
Análises da Cetesb constataram nível zero de oxigênio dissolvido na água (OD) ou próximo de zero, o que torna impossível a sobrevivência de animais aquáticos. Essas constatações aconteceram em diferentes pontos, como no Ribeirão Tijuco Preto, na altura do Horto Florestal de Piracicaba, no Distrito de Tupi, e na APA do Tanquã.
Mortandade na APA do Tanquã é a maior registrada, segundo pescadores
Jefferson Souza/ EPTV
Forte odor, espuma e água escura
Entre as características constatadas ao longo dos dias na água estão um forte odor característico de materiais industriais orgânicos, coloração escura da água e presença de espuma. Em percurso de barco pela região da mortandade no Tanquã, o g1 constatou um odor tão forte que fazia os olhos arderem e lacrimejarem após um tempo de exposição.
70 quilômetros de extensão
De acordo com relatório da Cetesb, a mortandade de peixes se estendeu por um trecho de 70 quilômetros, desde a foz do Ribeirão Tijuco Preto até a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Piracicaba-Tanquã. Os primeiros relatos foram de pescadores, quando as mortes já eram registradas na região urbana do Engenho Central e Rua do Porto, pontos turísticos de Piracicaba.
Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba
g1
10 dias de duração
A Cetesb detalha que os efeitos da carga poluidora no Rio Piracicaba foram percebidos por cerca de dez dias.
APA atingida equivale a 14 mil campos de futebol
A área de proteção do Tanquã, onde foi registrado o maior número de peixes mortos, ocupa uma área de 14 mil hectares, equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo.
Faixa branca em meio à vegetação é formada por milhares de peixes mortos após descarga de poluente no Rio Piracicaba
Jefferson Souza/ EPTV
Santuário tem ao menos 735 espécies
Segundo o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara, a APA do Tanquã é considerada um santuário de animais porque eles encontram na região alimento e abrigo, inclusive para se reproduzir.
Existem na região mais de 300 espécies de plantas, três delas ameaçadas de extinção. Já entre os animais vertebrados, são 435 espécies. Dessas, 19 estão ameaçadas de extinção e algumas são migratórias. Entre os invertebrados, há oito espécies já registradas que estão ameaçadas de extinção lá.
Tanquã abriga cerca de 170 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios
Katiucia Medeiros
50 pescadores afetados
Entre Piracicaba e São Pedro, a colônia de pescadores tem cadastrados pouco mais de 50 pescadores que dependem do rio para viver, segundo representante do grupo.
Pescadores Antonio e Nivaldo observam a água do Tanquã: sustento para famílias comprometido
Rodrigo Pereira/ g1
R$ 18 milhões em multa
A multa aplicada na Usina São José foi de R$ 18 milhões. Além de ser considerada a poluição das águas e a mortandade dos peixes, foi considerado no cálculo o fato de que a empresa deixou de comunicar a ocorrência à Cetesb e de que houve danos em uma área de proteção ambiental.
Imagem em relatório da Cetesb aponta de onde saiu poluente e caminho dele até ribeirão
Reprodução/ Cetesb
Recolhimento dos peixes
Diferentes forças-tarefas foram formadas para recolhimento dos peixes mortos. Uma primeira fez o recolhimento na região urbana de Piracicaba atravessada pelo rio. Outra operação, ainda em andamento, foi montada na APA do Tanquã, com auxílio de hidrotratores, pela quantidade de animais mortos nessa região.
Hidrotratar durante trabalho de retirada de peixes mortos na APA do Tanquã
Helen Sacconi/ EPTV
9 anos para recuperação
Segundo o analista ambiental Antonio Fernando Bruni Lucas, serão necessários até nove anos para a recuperação da quantidade de peixes no Rio Piracicaba.
“Uma nova população, para chegar, depende mais ou menos de três anos para se tornar fértil, para se tornar adulta. E, para recomposição do estoque, a gente calcula mais ou menos algo em torno de três gerações, de sete a nove anos, mais ou menos, dependendo das espécies”, aponta.
Tanquã é considerado um santuário de animais
Edijan Del Santo/ EPTV
O que diz a usina?
A Usina São José afirmou, em nota, que segue à disposição das autoridades e “não poupa esforços para colaborar plenamente”. Também diz que, até o momento, não recebeu evidências que demonstrem relação entre suas operações e a mortandade de peixes.
A empresa cita que um termo de vistoria ambiental da Polícia Militar Ambiental de 8 de julho conclui não ter havido “apontamento de danos ambientais no ato da vistoria”.
Também diz que o mesmo documento aponta a existência de uma galeria pluvial sob a Ponte do Funil, a 12 quilômetros da usina, que estaria “despejando um líquido perene com volume alto, amarelado e odor forte, através de uma manilha de plástico de 10 polegadas”. Segundo a Cetesb, esse despejo não tem relação com a usina e não é a causa da mortandade de peixes.
A empresa acrescenta que não tem produção de etanol e, portanto, não gera a vinhaça, subproduto presente em vários dos casos registrados anteriormente. E que o relatório não menciona inspeção e monitoramento em empresas que tenham sido autuados anteriormente, nem em outros trechos do rio onde possa ter havido eventuais despejos irregulares.
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