Entenda como tragédia ambiental no minipantanal pode reduzir população de aves migratórias


Ecólogo da USP comenta impactos da mortandade de peixes às espécies que voam longas distâncias até o Tanquã em busca de alimento e refúgio para reprodução; conheça aves e rotas. Rio Piracicaba – interior de São Paulo – é tomado por dezenas de toneladas de peixes mortos
Refúgio de centenas de espécies que buscam alimento e proteção nas várzeas do Tanquã, o minipantanal paulista poderá ter a população de aves aquáticas e migratórias reduzida após a morte de toneladas de peixes, contaminados com poluentes industriais.
Os resíduos lançados em afluente direto do Rio Piracicaba percorreram o manancial por mais de sessenta quilômetros e chegaram aos canais do Tanquã, causando a mortandade de milhares de peixes. O Ministério Público de São Paulo e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) atuam no caso -👆Assista no vídeo, acima.
O g1 conversou com o ecólogo e professor da Esalq/USP, Flávio Bertin Gandara, para entender quais serão os desafios que dezenas de espécies de aves migratórias devem enfrentar após a tragédia ambiental.
A migração dessas espécies está relacionada ao comportamento reprodutivo dos animais, pontua o especialista. As aves vão de um hemisfério a outro, ou de uma região a outra do Brasil, procurando melhores condições para se reproduzirem.
“Os maiores desafios [após a mortandade] ocorrem a curto e médio prazos. As aves piscívoras, que comem peixes, serão as mais impactadas. Aquelas que se migratórias e buscam refúgio no Tanquã, provavelmente, irão para outros lugares. Isso pode diminuir a população dessas aves na região no curto e médio prazo”, afirma Gandara.
👉 Clique aqui e descubra como surgiu o Tanquã – Região tornou-se vilarejo com dezenas de casas à beira-rio. As várzeas, que dão origem ao “pantanalzinho” paulista, são resultado da construção da barragem da usina hidrelétrica de Barra Bonita há quase 60 anos.
Entre as aves migratórias, há 23 espécies que voam da América do Norte e passam pela área de proteção ambiental alagada do Tanquã, aponta o ecólogo.
“Esse número representa 46% das aves migratórias norte-americanas do estado de São Paulo. Essas espécies vêm do Ártico, atravessam o Oceano Atlântico na América Central. Algumas vêm em voos ininterruptos até chegarem às ilhas do Caribe, passam pela América do Sul, atravessam o Centro do Brasil até aqui, na nossa região do Tanquã”, explicou.
ARQUIVO: Tanquã abriga cerca de 170 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios
Katiucia Medeiros
Considerado um santuário e berçário de animais, com vegetação conservada e disponibilidade hídrica, o Tanquã acolhe de aves aquáticas e peixes. O minipantanal serve de área de passagem para espécies que vão depois percorrer rios ou voar para outras regiões do Brasil ou da América.
Além das migratórias, o Tanquã abriga aves residentes, que dependem daquele ecossistema para sobreviverem, algumas em risco de extinção. Segundo o especialista, das 290 espécies que ocorrem no Tanquã, 13 delas são listadas como ameaçadas.
Com extensão equivalente a 14 mil campos de futebol, a área de proteção ambiental (APA) do Tanquã abrange as cidades de Anhembi (SP), Botucatu (SP), Dois Córregos (SP), Piracicaba (SP), Santa Maria da Serra (SP) e São Pedro (SP), no interior de São Paulo.
ARQUIVO: APA Tanquã-Rio Piracicaba, em Piracicaba
Reprodução/EPTV
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O que se sabe sobre poluição que causou mortes dos peixes
Membro do Corredor Caipira, projeto socioambiental e agroecológico patrocinado pela Petrobras que, entre outras iniciativas, realiza recuperação de áreas naturais degradadas, Flávio Gandara também comentou como a mortandade de peixes pode impactar no ecossistema da região.
As águas rasas do Tanquã serve de refúgio para descanso, alimentação, abrigo e local para reprodução de aves migratórias.
O minipantal recebe espécies de águia-pescadora, marreca-caneleira, irerê, mergulhão-caçador, falcão-peregrino, batuiruçu, batuíra-de-bando, andorinha-de-bando e alguns maçaricos como os de-bico-virado, de-perna-amarela e grande-de-perna-amarela, entre outras.
Mortandade
O primeiro flagrante da morte de peixes após o suposto despejo irregular foi registrado no último dia 7 de julho em trecho urbano do Rio Piracicaba, na região da Rua do Porto. Os resíduos percorreram o manancial por mais de sessenta quilômetros e chegaram aos canais do Tanquã, causando outra mortandade de milhares de animais.
O Tanquã tem cerca de 50 pescadores e famílias que dependem da pesca para sobreviver. 👉Leia aqui relatos de quem vive no local.
Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba
g1
Espécies e rotas de migração 🐦
O professor da USP ressalta que, além das aves migratórias, o Tanquã é casa de espécies de aves endêmicas, aquelas de deslocamento restrito, que não migram e permanecem na região da APA.
Com a falta de alimento devido à mortandade e baixa qualidade da água, esses animais devem sofrer mais diante da tragédia ambiental.
“Essas aves podem ser ainda mais vulneráveis do que as migratórias porque dependem desse local onde vivem especificamente para manterem suas populações. Uma delas, por exemplo, é a narceja-de-bico-torto. O único registro documentado dessa espécie no estado de São Paulo é da região da fazenda Barreiro Rico, que é vizinha no Tanquã”, observa.
Na lista vermelha de aves ameaçadas, o ecólogo aponta algumas espécies aquáticas que ocorrem no Tanquã, diretamente relacionadas aos campos úmidos – os brejos. Entre elas:
narcejão
papa-mosca-canela
caboclinho-branco
caboclinho-de-barriga-vermelha
América do Norte
Existem espécies que se reproduzem na América do Norte, entre o outono e inverno, migram para América do Sul e começam a ser verificadas na APA do Tanquã entre agosto e abril.
Brasil
Há também aquelas espécies que se reproduzem no sul do Brasil e migram para o norte no outono, retornando para o sul na primavera.
O Tanquã também recebe aves que se reproduzem no estado de São Paulo, normalmente, entre agosto e abril, e migram ao centro do país e para Amazônia, permanecendo naquela região de maio a julho.
Pantanal
O ecólogo menciona ainda a existência de outras espécies que se reproduzem no pantanal e depois vão para o Tanquã. Este é o caso do colhereiro, por exemplo, que vive em bandos em áreas alagadas, manguezais e praias lamacentas no interior ou no litoral.
O colhereiro é ave indicadora da boa qualidade ambiental. Saiba mais sobre a espécie aqui.
Mista
Flávio Gandara também espécies que parte da população migra e outras não migram como é o caso do gavião-caramujeiro.
Caracterizado pelo bico longo e fino, o gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) é especialista em remover o músculo dos grandes caramujos aquáticos das cascas. Quando a disponibilidade do alimento é escassa, o gavião opta pelos caranguejos. Os ninhos são plataformas frágeis construídas em árvores sobre as águas.
Pelo comportamento, ocorre em áreas úmidas, como pântanos, brejos, campos alagados e rios. A ave se espalha pela América inteira, desde os Estados Unidos até o Uruguai, passando por todo o território brasileiro.
O gavião-caramujeiro alimenta-se quase exclusivamente de grandes caramujos aquáticos
Raphael Kurz/Arquivo pessoal
“Tem espécies que os imaturos, mais jovens, permanecem o ano inteiro na APA e os adultos migram, que é o caso da águia-pescadora”, acrescenta Gandara.
Ameaçada de extinção
Considerado ameaçado de extinção no Brasil, o maçarico-acanelado é uma espécie de ave que passa pelo Tanquã a caminho de área de invernada, como o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. No retorno, passa novamente pelo minipantanal paulista.
“É uma espécie restrita a locais úmidos. Não se alimenta de peixes, mas de capins nas áreas alagadas”, pontua Gandara.
ARQUIVO: ave repousa em pedaço de madeira no Tanquã, em Piracicaba, entre 2021 e 2022
Divulgação/Corredor Caipira
Peixes
Devemos lembrar também que há, pelo menos, 14 espécies peixes que ocorrem no Tanquã são migratórios de longa distância que podem percorrer centenas de quilômetros. Assim, como as aves, eles também fazem isso para se reproduzirem, só que ficam restritos aos corpos d’água. Então, sobem o rio, a chamada Piracema, à procura de locais adequados para reprodução.
APA Tanquã-Rio Piracicaba
Governo do Estado de São Paulo
Nota de repúdio
O Centro de Estudos Ornitológicos (CEO) emitiu nota pública de repúdio nesta quinta-feira (18) após a tragédia ambiental. No documento, o órgão pede que medidas sejam tomadas e penalidades aos responsáveis.
O CEO, em nota, afirma que colabora com a elaboração do Censo Neotropical de Aves Aquáticas (CNAA), realizado duas vezes ao ano para monitoramento das populações de aves neotropicais aquáticas, registros sobre espécies migratórias e as estimativas.
Tanquã se formou nos anos 1950
Governo do Estado de São Paulo
Equipes do CEO estiveram na região do Tanquã para coleta de dados no último dia 13 de julho e, segundo o documento público, flagraram a mortandade de peixes.
“A atividade do censo foi desenvolvida conforme o planejado e na totalidade do trajeto, nos 17 km percorridos de barco, foi possível identificar centenas de milhares de peixes mortos espalhados ao longo do rio”, comunicou em nota.
“Como resultado do levantamento realizado pelo CEO, foi possível registrar em torno de 58 espécies de aves, sendo 32 delas aquáticas e, portanto, alvo do CNAA, e mais de três mil indivíduos que estão intimamente ligadas e sob influência direta dos efeitos negativos decorrentes dessa ação antrópica no ambiente”, elencou em outro trecho do documento.
APA Tanquã-Rio Piracicaba é considerada um santuário para fauna
Governo do Estado de São Paulo
Faixa branca entre a vegetação são milhares de peixes mortos no Tanquã, em imagem feita de drone
Reprodução/EPTV

Mortandade de peixes no Tanquã, em Piracicaba
Rodrigo Pereira/ g1
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