Explosão em apartamento de coronel: pólvora que não queimou pode gerar até 38 mil disparos de arma de fogo, diz especialista


Imóvel em Campinas tinha, mesmo após as explosões, 19 quilos de pólvora intacta, aponta perícia. Advogado defende inocência do coronel reformado; caso ocorreu em fevereiro. Pólvora apreendida em apartamento de Coronel
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Uma perícia do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) identificou, ainda intactos, 19 quilos de pólvora no apartamento que explodiu na região central de Campinas (SP) em fevereiro. A quantidade seria suficiente para carregar de 19 mil a 38 mil munições, a depender do calibre da arma, segundo um especialista ouvido pelo g1. O imóvel destruído é do coronel reformado do Exército Virgílio Parra Dias.
A explosão seguida de incêndio aconteceu no dia 24 de fevereiro deste ano. Ao todo, 44 pessoas foram retiradas do prédio, parte delas por meio de cordas. Trinta e quatro tiveram que passar por atendimento porque inalaram fumaça.
Professor da Academia de Polícia do Estado de São Paulo (Acadepol), Cássio Cardosi indica que, como cada munição gera um disparo de arma de fogo, a quantidade equivale a 19 mil a 39 mil tiros.
Para buscar uma comparação, Cardosi explica que um competidor da Confederação Internacional de Tiro Prático dá pelo menos 1 mil tiros por semana para se preparar para as etapas.
E se explodisse?
Cardosi também acrescenta que, se esses 19 quilos de pólvora estivessem armazenados no mesmo lugar e explodissem, teriam capacidade para derrubar uma casa.
Segundo a perícia, o explosivo estava separado em 25 embalagens, mas o laudo não aponta onde os recipientes estavam.
Já o conselheiro em segurança e especialista em armamento leve Vinicius Domingues Cavalcante acredita que o explosivo poderia não explodir se entrasse em contato com fogo. “Queimaria violentamente”, estima.
“Peremptoriamente, é bem provável que esses 19 kg não explodissem, que eles queimassem violentamente, que gerassem uma sobrepressão e eventualmente até, vamos dizer assim, algo semelhante a uma explosão, mas que não fosse uma explosão em si”, defende.
Perícia encontra 19 kg de pólvora em apartamento de coronel atingido por explosão
Além da pólvora, o laudo da perícia aponta que havia 3.988 cápsulas de ignição no apartamento. As duas substâncias explosivas são usadas para recarregar munições. Investigadores suspeitam que produtos semelhantes possam ter causado o incidente.
Advogado de Parra Dias, Fernando Fabiani Capano diz que a segurança do local onde estavam as armas foi “prévia e regularmente verificada” pelo Exército Brasileiro. “Ainda, é preciso considerar que o local continha porta de acesso blindada, tudo em conformidade com as exigências legais”, diz Capano.
O advogado também defende que o prejuízo material causado no condomínio está sendo arcado pelo contrato de seguro existente, “nos termos da lei e conforme praxe neste tipo de incidente coberto por Cia. Seguradora”. Leia a nota completa aqui.
Volume maior que o permitido, diz professor
Vigílio Parra Dias, coronel do Exército, responsável por apartamento que pegou fogo em Campinas.
Reprodução/TV Globo
Parra Dias possuía licença de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) nível 3. Professor de direito penal e criminologia, João Paulo Sangion afirma que o volume de pólvora encontrado intacto no apartamento supera o limite definido pela portaria que regulamenta produtos controlados pelo Exército. A defesa do coronel, no entanto, nega (leia abaixo).
A portaria 166 do Comando Logístico do Exército Brasileiro, publicada em 22 de dezembro de 2023, estabeleceu limite de armazenamento de até 12 quilos de pólvora para colecionadores nível 3, que é o mais alto.
Sangion ressalva, no entanto, que Parra Dias pode ter pedido para o Exército uma autorização especial para armazenar mais pólvora que o permitido pela portaria.
Já o advogado do coronel afirma que não havia armazenamento de pólvora a mais do que o permitido porque o material é consumdo ao longo do ano em que a autorização de posse é concedida. “Tudo isto se provará no momento procedimental/processual oportuno”.
“Não há evidência fechada, no crivo do contraditório, de que havia pólvora na quantidade mencionada, posto que o material é consumível com bastante frequência, pela pessoa que manuseia quantidade substancial de armamento (permitido)”, disse Capano.
Como CAC nível três, Parra Dias tinha licença para manter 86 armas. A Polícia Civil e o Exército investigam, no entanto, se havia um excedente ilegal no local.
A perícia do Gate
Na perícia, a qual o g1 teve acesso nesta terça-feira (16), o Gate aponta que o material intacto no apartamento estava ativo e oferecia risco, no entanto, investigadores ainda aguardam o laudo da Polícia Científica para saber se havia mais produtos no local que eventualmente possam ter sido consumidos pelo fogo.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o 1º Distrito Policial (DP) de Campinas, que investiga o caso, vai analisar os laudos e mantém diligências para concluir a investigação.
Os 19,06 kg de pólvora encontrados intactos estavam distribuídos em 25 embalagens, incluindo as originais de fábricas e também em potes de plástico e recipientes de achocolatado em pó.
“Tratam-se de substâncias explosivas, apresentadas em “grãos” e “lâminas”, fabricadas a base de NitroCelulose, Etil Centralite e Sulfato de Potássio”.
Pólvora encontrada em embalagem de achocolatado em pó no apartamento de coronel
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Segundo o Gate, a pólvora é um material bastante sensível ao calor e atrito “gerando, em qualquer que seja sua forma de armazenamento, elevado grau de risco”.
“A utilização incorreta dos componentes explosivos descritos (pólvora e espoletas) poderia acarretar lesões queimaduras graves em pessoas de posse ou contato direto com o material Explosivo no momento de sua Combustão/Deflagração”, dizem os peritos.
Capsulas de ignição
Espoletas de ignição apreendidas no apartamento do coronel
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As 3.998 espoletas de ignição, de diversas marcas nacionais e estrangeiras, estavam guardadas em caixas de papelão e sacos plásticos.
“É constituída de uma cápsula metálica contendo no seu interior misto iniciador de alta sensibilidade (Estifinato de Chumbo ou Azida de Chumbo), destina-se principalmente para montagem de cartuchos de armas de fogo de diversos calibres, tendo como finalidade a ignição de pólvoras”.
Espoletas armazenadas em embalagem plástica
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Para que serve o material?
O advogado criminalista João Paulo Sangion explicou que as pólvoras e as espoletas são utilizadas pelos atiradores para recarregar as munições. O espoleta funciona como uma espécie de ignição da pólvora e a pólvora como um material combustível.
“É permitido aos CAC’s e aos clubes manter insumos (pólvora, espoleta, estojo, projétil e equipamento de recarga) para que recarreguem suas próprias munições, cuja permissão advém do artigo 82 da Portaria COLOG 166 de 2.023”, disse Sangion ao g1.
Causa da explosão?
O laudo do Gate não aponta categoricamente a pólvora e as espoletas como causadores da explosão no apartamento, no entanto, deixa claro que a pólvora é uma substância “extremamente sensível ao calor, independente da fonte de origem”. E ressalta que as espoletas são compostas por explosivos igualmente sensíveis.
“Mistos iniciadores ou ignitores empregados na fabricação de espoletas, normalmente são compostos a base de explosivos primários (extremamente sensíveis), oxidantes, combustíveis sólidos e atritantes”, diz o laudo.
Armas encontradas em meio aos escombros de apartamento de coronel do Exército em Campinas (SP)
Arquivo pessoal
Granadas estavam inativas
O g1 revelou em maio que as duas granadas encontradas no apartamento do coronel reformado não ofereciam risco de explosão e que, por isso, investigadores suspeitam que a pólvora possa ter causado as explosões.
O caso é investigado pelo 1º Distrito Policial (DP) de Campinas, que aguardava, até a última atualização, a chegada de todos os laudos do Instituto de Criminalística – responsável pela perícia do incêndio e das armas. Só depois disso ouviria formalmente o militar da reserva.
Armas em grande quantidade
Apartamento com munições que pegou fogo em Campinas e armas de coronel
Defesa Civil e Arquivo Pessoal
O g1 revelou no mês passado que investigadores suspeitam que havia no apartamento mais armas do que o autorizado pelo Exército. O coronel havia autorização para 86 armas, porém, após o incêndio, a polícia encontrou 112 armas e carcaças no imóvel, entre pistolas, revólveres, fuzis, espingardas e garruchas. Esse número, no entanto, ainda precisa ser confirmado em laudo pericial.
Relembre o caso
Imagens mostram como ficou apartamento de coronel que guardava arsenal de armas em casa após incêndio
Segundo a perícia, o incêndio começou no cofre do coronel a partir da explosão de um artefato. Ao todo, 44 pessoas que estavam em andares superiores foram retiradas do prédio, parte delas por meio de cordas, em uma manobra semelhante à técnica de descida em rapel.
Após o incêndio, a polícia encontrou 112 armas e carcaças de armas no imóvel, entre pistolas, revólveres, fuzis, espingardas e garruchas, além de granadas. Esse número, no entanto, ainda será confirmado por laudo pericial da Polícia Científica.
Essa confirmação é necessária, segundo a Polícia Civil, uma vez que parte do armamento estava queimado e, por isso, a contagem pode ter sido imprecisa durante a apreensão.
Aposentado como general
O coronel da reserva Virgílio Parra Dias, de 69 anos
JN
Virgílio Parra Dias, de 69 anos, é coronel aposentado e instrutor de tiro. Segundo o Exército, o militar possui certificado de registro válido como atirador, caçador e colecionador (CAC) e tinha licença para manter 86 armas no imóvel, mas a Polícia Civil vai investigar se havia excedente ilegal no arsenal.
O nome do coronel também consta como um dos responsáveis por um clube de tiro em São Paulo (SP). Nascido em 21 de abril de 1954, o coronel frequentou a Academia Militar das Agulhas Negras, escola de ensino superior do Exército que fica no Rio de Janeiro, entre 1977 e 1980.
O que diz a defesa?
“Diante do andamento do inquérito que envolve a apuração das circunstâncias envolvendo incidente ocorrido em Campinas, envolvendo nosso cliente Sr. Cel. Parra, esclarecemos:
1. A segurança do local onde se encontravam as armas foi prévia e regularmente verificada pelo Serviço Federal de Produtos Controlados – SFPC, do Exército Brasileiro, por ocasião das fiscalizações no local. Ainda, é preciso considerar que o local continha porta de acesso blindada, tudo em conformidade com as exigências legais.
2. Não havia armazenamento de pólvora a mais do que o permitido, até mesmo porquanto o material é consumível ao longo do ano em que a autorização de posse é regularmente concedida. Tudo isto se provará no momento procedimental/processual oportuno.
3. O prejuízo material havido no Condomínio está sendo arcado, inicialmente, pelo contrato de seguro lá existente, nos termos da lei e conforme praxe neste tipo de incidente coberto por Cia. Seguradora.
4. Sim, a Defesa acredita na inocência do investigado, sendo certo que, segundo nossa compreensão, trata-se de um infeliz acidente, não havendo que se falar em qualquer tipo de responsabilidade na esfera criminal ou cível, conforme se provará ao longo da regular instrução probatória, na lógica do devido processo legal.
Fernando Fabiani Capano
Advogado”
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