André Bonomini: Quando os Ícaros nos fizeram chorar

Já faz algum tempo desde que escrevi por aqui sobre esse desejo do blumenauense em voar. É um sonho antigo, na base de tentativa e erro, das vitórias e derrotas que se sucederam, desde a queda do Phoenix, o pouso do primeiro avião, o Aeroclube e o aeroporto, sonhos, conquistas e algumas derrotas que se somaram escrevendo uma rica história no céu.

Só que aviação como um todo – e soma-se essa vontade de voar com o sem asas em volta – é uma relação que, para alguns, é a pura convivência entre a liberdade, a adrenalina e o perigo. O paraquedismo, reflexo desta ambição do ser humano em ganhar o céu por si, é uma prova disto, a convivência do risco com a conquista a partir do ponto em que o saltador pula da aeronave e vai, por sua conta, voar em plenitude.

São aventureiros, admiráveis aventureiros e aventureiras que não enxergam o perigo e o desfrutam seguindo a filosofia de Ayrton Senna, na atração que ele mesmo proporciona. No entanto, no mesmo nível da satisfação ao alcançar o limite, o perigo é o fantasma constante: aparece, acontece e, as vezes, mata e entristece quem está em volta. O cenário do ar em Blumenau conhece esta soma muito bem e páginas amareladas de jornal nos remetem ao que pode ser considerado folgadamente o mais grave e triste acidente aéreo da cidade até hoje.

Alguns dos integrantes do Ícaros do Vale em 1980. Sentado, de pé quebrado, Norberto Mette (Antigamente em Blumenau)
(Antigamente em Blumenau)
(Antigamente em Blumenau)
(Antigamente em Blumenau)
(Antigamente em Blumenau)

Nesta procura pela adrenalina do céu, decolava da pista do Quero-Quero na tarde de um domingo de agosto, dia dos pais de 1980, um pequeno avião com cinco passageiros, sendo o piloto e paraquedista Sirio Chicatto e outros quatro paraquedistas: o instrutor Georg Schlingmann, Lauri Alves de Andrade, Renato de Barba e Adilson Scharf.

Seria mais uma tarde de saltos para os Ícaros do Vale, esta organização que havia sido criada a pouco mais de dois anos antes daquele domingo e que, na mesma proporção que conquistava o céu, também já tinha tido contato com o lado obscuro da aviação: a morte de um de seus integrantes, Carlos Falk Filho, em um acidente aéreo na cidade de Rio do Campo, em 1979.

Driblando a dor de uma tragédia recente e seguindo as rotinas de salto naquela região da Itoupava Central, partiram para o ar os Ícaros outra vez naquele domingo, desta vez em um pequeno Cessna 185 prefixo PP-BSS. Tinha custado, em valores da época, uma pequena fortuna de Cr$ 1,6 milhão pagos em parte pela Prefeitura e pelo próprio clube, com os recursos que possuía de apresentações que fazia. Naquela tarde, operava sem a carga completa e com boas condições de funcionamento, como a checagem inicial apontava.

Dizem as lendas do ar que um eclipse pode significar um mau agouro para quem voa ou salta, e naquela tarde acompanhar um eclipse parcial do sol era um dos objetivos dos aventureiros que rasgavam o céu em busca do pico para o salto perfeito da tarde. Mas o que era alegria e ansiedade pelo momento, em pouco menos de 1 minuto, se cobriu de fumaça e chamas. Em uma curva inesperada, o Cessna repentinamente despencou e caiu em uma clareira entre as ruas Pedro e Gustavo Zimmermann.

(Arquivo / JSC)
Quatro das cinco vítimas da queda do Cessna do Ícaros do Vale (Arquivo / JSC)
A saída do velório, realizado no Mausoléu Dr. Blumenau (Arquivo / JSC)

Drama, medo, outra vez uma tragédia se abatia sobre o jovem clube e levava, de uma vez, todos os ocupantes do avião. Na terça-feira seguinte, o peso do acidente impresso nos jornais era como uma encruzilhada para os incentivadores do paraquedismo do Ícaros, que em dois anos apenas de atividade separados do Aeroclube, tinham de se refazer de outra perda, de outras perdas.

O velório, ocorrido no Mausoléu Dr. Blumenau, teve a nota do medo e tristeza que aparecem sempre após um grande acidente como aquele tinha sido. Sem aviso, de vereda, cinco vidas foram levadas e sem que se pudesse explicar o que fez o Cessna perder altitude depois da curva brusca que fizera. Nos anais do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) não há registros, apenas os jornais que registram mas não explicam a fatalidade daquele domingo de 1980.

Apesar do golpe, alguns dias depois e ainda enlutados, o Ícaros do Vale decidiu por continuar as atividades em respeito ao desejo dos familiares que sabiam que significava muito mais do que saltos pelo ar: eram histórias e sonhos que eram realizados por tantos que sonhavam o mesmo que os cinco naquele Cessna. O clube segue vivo nas suas aventuras e compromissos nos dias de hoje, mas reverenciando sempre aos que desbravaram o céu por primeiro.

(Arquivo / JSC)

O fascínio que a aviação desperta é inegável. Estar no céu em meio as nuvens deslumbra tanto quanto representa a liberdade e o avanço da tecnologia que permite o homem voar. Infelizmente, mesmo sendo o mais seguro, ainda há um caminho a percorrer e a linha tênue entre adrenalina, liberdade e tragédia deixa as margens de detalhes simples que podem transformar-se em páginas enlutadas de jornais amarelados e saudades repentinas.

O fantástico mundo de voar e suas nuances, entre sorrisos, extasios e lágrimas. E seguimos voando.

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