‘Autocratas e ditadores fascinavam Trump’, diz Merkel em livro de memórias


Ex-líder alemã revisita trajetória em “Liberdade”. Nas memórias, relata “sensação ruim” após encontro com presidente dos EUA em 2017, e defende decisões de manter proximidade com a Rússia e barrar a Ucrânia na Otan. Chanceler alemã, Angela Merkel fala com o presidente dos EUA, Donald Trump, durante cúpula do G7
Bundesregierung/Jesco Denzel/Handout via REUTERS
Sobre o encontro entre ambos na Casa Branca, em março de 2017, logo após ele assumir o mandato, a ex-chanceler federal relata ter ouvido “uma série de perguntas” do magnata nova-iorquino, que queria saber sobre do histórico dela na Alemanha Oriental e da relação dela com Vladimir Putin.
“Ele estava claramente muito fascinado com o presidente russo […]. Nos anos seguintes, tive a impressão de que era atraído por políticos com tendências autocráticas e ditatoriais.”
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A ex-chefe de governo alemã Angela Merkel escolheu como título para seu livro de memórias nada menos do que Freiheit (Liberdade).
Às vésperas do ansiosamente aguardado lançamento, a revista Zeit Magazin publicou alguns trechos instigantes, também sobre as interações da política conservadora com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
O encontro, em que o mandatário republicano repetiu muitas das críticas à Alemanha feitas durante sua campanha eleitoral, deixou a então chanceler federal “com uma sensação ruim”.
Pedindo conselhos ao papa sobre Trump
Segundo Merkel, Trump “alegou que eu tinha arruinado a Alemanha ao aceitar tantos refugiados em 2015 e 2016, nos acusou de não gastar o suficiente com defesa e nos criticou por práticas comerciais injustas.” Em especial a visão de tantos carros alemães em Nova York era “uma pedra no sapato dele”.
“Estávamos falando em dois níveis diferentes – Trump, no emocional; eu, no factual. Quando ele sequer prestava atenção aos meus argumentos, em geral era para transformá-los em novas acusações.”
A política democrata-cristã chegou a pedir conselhos ao papa Francisco sobre o assunto, pouco antes da cúpula de 2017 do G20, em Hamburgo. Sem mencionar nomes, ela lhe perguntou como deveria manobrar opiniões fundamentalmente díspares num grupo de personalidades importantes.
“Ele entendeu logo e me respondeu diretamente: ‘Curve, curve, curve, mas se assegure de que não vai quebrar.'” Ela gostou da imagem: “Nesse espírito, eu ia tentar resolver meu problema com o Acordo de Paris e Trump, em Hamburgo, embora não soubesse exatamente o que isso significava, em termos concretos.” Em junho daquele mesmo ano, o então presidente americano retirou seu país do acordo do clima.
Merkel ainda defende a Rússia
Freiheit será lançado na terça-feira (26/11) em 30 países. Abarcando desde a juventude na República Democrática Alemã (RDA), sob regime socialista, aos 16 anos à frente do governo da República Federal da Alemanha (RFA) unificada, o volume de 736 páginas foi coescrito por Beate Baumann, consultora política de Merkel de longa data.
Entre outros temas da política mundial, a ex-líder conservadora, atualmente com 70 anos, defende tanto sua política de manter laços estreitos com a Rússia, quanto sua decisão, na cúpula de Bucareste, em 2008, de barrar o ingresso da Ucrânia e da Geórgia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – ambas posturas severamente criticadas, sobretudo desde o início da guerra russa contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
“Eu entendia o desejo de se tornar membro da Otan o mais rápido possível, porque elas queriam ser parte da comunidade ocidental após o fim da Guerra Fria.” No entanto a Aliança Atlântica tinha que considerar o efeito de cada novo filiado potencial em sua própria “segurança, estabilidade e capacidade de funcionar”, justifica.
Após a cúpula na capital da Romênia, Merkel voltou para casa com a sensação de que “nós, na Otan, não tínhamos nenhuma estratégia comum para lidar com a Rússia”: muitos países da Europa Central e Oriental “pareciam desejar que o país simplesmente desaparecesse, que não existisse”.
“Seria difícil culpá-los, pois haviam sofrido por longo tempo sob o regime soviético […]. Mas a Rússia, com seu arsenal nuclear, existia, sim, e era – e é – geopoliticamente indispensável.”
av/ra (AFP,KNA,ots)
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