Como pesquisadores desafiaram a ciência e descobriram na Sibéria o 1º fóssil de cromossomo da história


Pesquisa inédita encontrou cromossomos preservados na pele de um mamute que morreu há 52 mil anos. Publicado na revista “Cell”, estudo teve a participação de cientistas brasileiros. Imagem microscópica de músculo subdérmico de um mamute que viveu há 52 mil anos. Estudo na “Cell” mostra que fósseis de cromossomos foram preservados nesta amostra de pele.
Elena Kizilova/Institute of Cytology and Genetics SB RAS
Pesquisadores apontaram pela primeira vez a descoberta de cromossomos antigos preservados na pele de um mamute achado no permafrost siberiano, um tipo de solo congelado que geralmente é encontrado em regiões muito frias, como a Sibéria.
A pesquisa, publicada na última semana na revista “Cell” com a participação de cientistas brasileiros, revela um feito até então considerado impossível no estudo da genética e da história da vida na Terra.
Isso porque, embora o DNA de um mamute mais antigo já tenha sido sequenciado anteriormente, cromossomos inteiros preservados em seu arranjo tridimensional nunca antes haviam sido descobertos.
📝 🧬 Relembre: Os cromossomos são estruturas no formato de fios compostos por proteínas que contêm um único DNA (ácido desoxirribonucléico). Já o DNA é um conjunto de moléculas que carrega nossas informações genéticas.
Do ponto de vista técnico, o achado se trata de um fóssil não mineralizado, ou subfóssil, uma vez que essas estruturas não se transformaram em pedra ou outros minerais.
Apesar disso, essas amostras oferecem uma visão única da organização genética desses organismos ancestrais, pois permitem uma compreensão muito mais detalhada de sua evolução e biologia.
O motivo disso reside no fato de que os cromossomos fósseis contêm milhões de letras do nosso código genético, proporcionando uma imagem muito mais completa de um ser vivo como o Mamute-lanoso, a espécie em questão.
Já amostras antigas de DNA, geralmente encontrada em fragmentos curtos e dispersos, contém apenas algumas centenas.
Simulação mostra como os cromossomos do mamute estariam organizados e se comportariam nas células do animal.
Vinícius Contessoto, Antonio Oliveira Jr., José Onuchic/Center for Theoretical Biological Physics
Carne seca congelada
O achado não foi por acaso. Uma equipe internacional de pesquisadores testou dezenas de amostras ao longo de cinco anos antes de encontrar a pele do mamute “Chris Waddle” (apelido dado em homenagem a um jogador inglês), retirada de um pedaço da orelha de um espécime escavado no norte da Sibéria em 2018.
Para a surpresa dos cientistas, o mamute tinha seus pelos intactos, uma amostra perfeita para seu estudo, pois isso indicava que o animal não havia passado por ciclos de descongelamento e recongelamento, preservando melhor seu DNA.
Com isso, eles finalmente puderam aplicar uma técnica chamada Hi-C, que cria uma estrutura tridimensional do genoma, incluindo os cromossomos e a disposição do DNA neles.
Fora isso, um dos motivos do sucesso da pesquisa foi que o mamute se fossilizou de uma maneira muito especial, deixando a pele em um estado parecido com o estado físico do vidro.
Esse processo, semelhante ao usado para fazer carne seca ou charque (que é congelada e desidratada), faz com que as moléculas de DNA fiquem densamente compactadas e imóveis.
“Essa vitrificação fez com que os fragmentos [de cromossomo] se movessem pouquíssimo espacialmente durante todo esse tempo”, explica ao g1 Vinícius Contessoto, pesquisador da Rice University responsável pela parte de modelagem em três dimensões do projeto.
Aqui vale lembrar que o DNA se decompõe normalmente após a morte de um ser vivo, pois ele se quebra em pedaços menores, o que torna bastante difícil a sua leitura para os cientistas. Isso acontece porque esse processo é afetado por vários fatores ambientais, como o calor, a luz e a umidade.
No caso do “Chris Waddle”, no entanto, isso não aconteceu. Por sorte, a amostra de pele tinha um DNA preservado de maneira excepcional, algo crucial para os pesquisadores, pois possibilitou estudar a informação genética do mamute em condições excelentes.
“Pesquisadores da indústria alimentícia são bem familiarizados com esses estados vítreos, pois eles são importantes para a preservação dos alimentos. Agora o mais surpreendente é que isso também aconteceu com o mamute”, acrescentou Contessoto, que faz parte de um grupo de biofísica teórica liderado pelo também brasileiro José Onuchic.
Pesquisadores examinam a pele do mamute após a retirada do animal do permafrost siberiano.
Love Dalén/Stockholm University
O grupo estuda justamente a física de polímeros e a modelagem de cromossomos. Por isso, eles foram responsáveis pela parte da representação em três dimensões do fóssil, algo fundamental para entendermos quais genes estavam ativos na espécie extinta.
“Pequenos fragmentos de DNA antigo [aDNA] podem sobreviver por longos períodos de tempo. Mas o que descobrimos aqui é que, sob certas condições, o arranjo tridimensional desses fragmentos de DNA pode permanecer congelado no local durante dezenas de milênios, preservando assim a estrutura dos cromossomos inteiros”, conta Onuchic.
Depois que descobriram isso, os cientistas por trás dessa empreitada então identificaram que o mamute possuía 28 pares de cromossomos. Esse número é o mesmo que é encontrado nos elefantes modernos, os parentes vivos mais próximos do “Chris Waddle”.
Além dessas semelhanças, analisando os fósseis e observando a organização dos cromossomos, os cientistas descobriram que muitos genes relacionados ao crescimento de pelos eram diferentes dos encontrados nos elefantes que vemos hoje, o que é curioso e faz muito sentido, já que esses animais modernos não possuem características físicas do tipo.
As amostras analisadas foram identificadas como parte da pele, com genes possivelmente relacionados à formação de pelos, o que é condizente com o fato de que o mamute era lanoso [tinham pelagem espessa], ao contrário dos elefantes que não possuem essa característica.
A pele do mamute lanoso de 52 mil anos depois de ter sido escavada no permafrost siberiano.
Love Dalén/Stockholm University
Desextinção de espécies
Todo esse achado também abre caminho para um campo curioso (e eticamente tortuoso) da Ciência: o da desextinção de espécies.
Os defensores da desextinção argumentam que isso representaria um avanço científico significativo e tecnológico, já que a humanidade poderia evitar ondas de extinção em massa que ameaçam uma crescente lista de espécies.
Mas isso, claro, também poderia significar a possibilidade de trazermos de volta à vida animais que habitaram a Terra há milhões de anos, como o mamute lanoso siberiano, algo que traria várias implicações ecológicas e éticas.
Um argumento comum contra a técnica, por exemplo, é o fato de que ela apenas representa uma utilização ineficiente dos nossos recursos de conservação e poderia desviar recursos preciosos da conservação de espécies atuais, potencialmente levando a uma redução da biodiversidade.
Em outras palavras, quem defende essa visão explica que é muito mais fácil e barato preservar agora que investir quantias enormes de dinheiro em projetos tão ambiciosos.
Num editorial de 2018, a revista científica “Nature”, uma das mais importantes do mundo, destacou ainda a necessidade de colaboração entre geneticistas, arqueólogos, historiadores e antropólogos para contextualizar adequadamente achados genéticos do tipo.
O texto também alertou para o perigo de interpretações simplistas do DNA antigo, que podem ser distorcidas para apoiar agendas políticas ou raciais, e enfatizou a importância da divulgação correta desses resultados para combater o preconceito e respeitar a diversidade histórica e genética das populações.
O fato é que ainda estamos muito longe de vislumbrar a desextinção de qualquer espécie. Apesar disso, esse achado na Sibéria, revela novos horizontes para o estudo da composição genética de animais há muito tempo extintos e, como definem os próprios pesquisadores por trás desse estudo, abre uma nova e excitante fronteira para a biologia e a física.
Compreender esses genomas nos possibilita investigar como que os genomas variaram durante a evolução. E entender a estrutura é só uma parte do desafio. Isso nos permite abrir uma porta para desvendarmos como que a máquina genética funciona.
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