Adriana Calcanhotto é a maruja sagaz que ancora no porto seguro do show ‘Ultramar’ com violão, poesia e canções


Resenha de show
Título: Ultramar
Artista: Adriana Calcanhotto
Local: Blue Note Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 8 de agosto – Sessão das 22h30m
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Shows de voz e violão são recorrentes na trajetória de Adriana Calcanhotto desde antes de a artista gaúcha alcançar projeção nacional em 1990.
Intérprete sagaz da própria obra e do cancioneiro alheio, Calcanhotto se basta ao violão (eficaz sem ser virtuoso) e expõe o sentido preciso dos versos a que dá voz com inteligente dinâmica de canto.
Ultramar – show que a cantora apresenta ao longo deste mês de agosto de 2024 no Blue Note Rio e no Blue Note São Paulo, durante hiato da turnê do álbum Errante (2023) – se vale dessa dinâmica para atrair espectadores para a rede de Calcanhotto.
Pescadora de pérolas, a artista exprime na interpretação todos as cores do amor, indo do azul da cor do mar de Ela é carioca (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1963) – samba cheio de bossa valorizada no canto e no violão de Calcanhotto – aos cinzas das horas de solidão e abandono, mote de canções doídas como Metade (1994) e Mentiras (1992), petardos autorais sempre certeiros.
E por falar em angústia, a cantora expõe as vísceras do ciúme ao dar voz à música mais inesperada do roteiro, Dor de cotovelo (2022), fornecida por Caetano Veloso para Elza Soares (1930 – 2022). Do mesmo Caetano, O nome da cidade (1984) é canção afinada com a sensação de estranhamento e inquietude que parece acompanhar o percurso errante de Calcanhotto em correnteza que geralmente dá no mar.
E o mar de Calcanhotto é por vezes profundo, alagando o pântano em que brota A flor desencarnada (2021) – música em que a compositora alcança a dimensão da canção sem nada dever ao registro original de Maria Bethânia – e abarcando a resiliência de Era pra ser (2016), outra canção lançada por Bethânia que emergiu linda na correnteza do show Ultramar.
É que, mesmo com artilharia vocal reduzida, Calcanhotto atinge o âmago das músicas do cóccix até o pescoço.
Adriana Calcanhotto na estreia carioca do show ‘Ultramar’ na casa Blue Note Rio
Rodrigo Goffredo
Aberto com Maritmo (1998), canção-título do álbum que iniciou a trilogia fonográfica marítima da artista, o roteiro do show Ultramar se nutre dos sucessos infalíveis – estão lá Inverno (Adriana Calcanhotto e Antonio Cicero, 1994), Esquadros (1992), Devolva-me (Lilian Knapp e Renato Barros, 1966), Maresia (Paulo Machado e Antonio Cicero, 1981) e Depois de ter você / Cantada (2001) – e também das músicas do recente álbum Errante.
Da safra autoral deste disco, o xote Pra lhe dizer (2023) pareceu ter encontrado enfim a vocação pop no formato voz e violão do show enquanto Lovely (2023) adensou as águas de Ultramar em tons graves, interiorizados, na contramão da leveza do buliçoso samba Larga tudo (2023).
Uma das bossas de Calcanhotto do show Ultramar é apresentar a canção-título com a melodia criada originalmente pela compositora, e não com a melodia feita e gravada por Fátima Guedes no álbum Muito intensa (1999).
Como Calcanhotto conta no show, Fátima lhe pedira uma letra. Já Antonio Cicero queria uma melodia. Como a compositora não sabe fazer letra dissociada de música, e vice-versa, Calcanhotto entregou para Fátima Guedes a letra de Ultramar sem a melodia que fizera e que deu para Cicero letrar. Com a letra de Cicero para a mesma melodia, surgiu a canção Pelos ares (2002).
Vestida na sessão das 22h30m com figurino branco e azul que evocava a figura mítica de Iemanjá, a cantora mostrou para o público do Blue Note Rio a mesma melodia com as duas letras em sequência que deixou claro que a junção música e letra resultou mais feliz com os versos de Antonio Cicero.
No bis, arrematado com a canção autoral Vambora (1998), Calcanhotto deu voz a Nature boy (Eden Ahbez, 1948) standard norte-americano do jazz de inspiração gay, eventualmente cantado em shows por essa marinheira que ancora com poesia, violão e belas canções no porto seguro do show Ultramar.
Adriana Calcanhotto no palco da casa Blue Note Rio na estreia carioca do show ‘Ultramar’
Rodrigo Goffredo
♪ Eis as 24 músicas do roteiro seguido por Adriana Calcanhotto em 8 de agosto de 2024 na sessão das 22h30m do show Ultramar na casa Blue Note Rio, na cidade do Rio de Janeiro (RJ):
1. Maritmo (Adriana Calcanhotto, 1998)
2. O nome da cidade (Caetano Veloso, 1984)
3. Prova dos nove (Adriana Calcanhotto, 2023)
4. Ultramar (Adriana Calcanhotto, 1998) /
5. Pelos ares (Adriana Calcanhotto e Antonio Cicero, 2002)
6. Lovely (Adriana Calcanhotto, 2023)
7. Inverno (Adriana Calcanhotto e Antonio Cicero, 1994)
8. Maresia (Paulo Machado e Antonio Cicero, 1981)
9. A flor encarnada (Adriana Calcanhotto, 2021)
10. Pra lhe dizer (Adriana Calcanhotto, 2023)
11. Mais feliz (Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto, 1986)
12. Ela é carioca (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1963)
13. Metade (Adriana Calcanhotto, 1994)
14. Horário de verão (Adriana Calcanhotto, 2023)
15. Dor de cotovelo (Caetano Veloso, 2002)
16. Esquadros (Adriana Calcanhotto, 1992)
17. Devolva-me (Lilian Knapp e Renato Barros, 1966)
18. Era pra ser (Adriana Calcanhotto, 2016)
19. Dessa vez (Adriana Calcanhotto, 2019)
20. Depois de ter você (Cantada) (Adriana Calcanhotto, 2001)
21. Larga tudo (Adriana Calcanhotto, 2023)
Bis:
22. Nature boy (Eden Ahbez, 1948)
23. Mentiras (Adriana Calcanhotto, 1992)
24. Vambora (Adriana Calcanhotto, 1998)
Adriana Calcanhotto canta ‘Dor de cotovelo’, música de Caetano Veloso, no show ‘Ultramar’
Rodrigo Goffredo
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