Capitão que teria chamado cabo de ‘chimpanzé’ continua prestando serviço para a Marinha


O capitão de Mar e Guerra da reserva da Marinha João Ricardo Reis Lessa foi denunciado pelo cabo Pedro Jorge da Rocha, que é negro. O capitão, que é investigado pela Polícia Civil e pela Marinha, disse que tentou ser irônico em seu comentário. Marinha e Polícia Civil investigam denúncia de racismo
O capitão de Mar e Guerra da reserva da Marinha João Ricardo Reis Lessa, que está sendo investigado pela Polícia Civil do RJ por suspeita de discriminação racial contra um subordinado, pediu desligamento da estatal Amazul, empresa de tecnologia nuclear da Marinha, mas continua trabalhando em outra empresa ligada à instituição militar: a Cluster Tecnológico Naval-RJ. Na firma atual é ele oficial de proteção de dados.
João Ricardo foi acusado pelo então cabo Pedro Jorge da Rocha, que é negro, de ter o chamado de “chimpanzé” durante um dia de trabalho na Amazul.
O fato teria acontecido há mais de dois meses, mas só foi divulgado nesta segunda-feira (22). Segundo Rocha, ele exercia a função de motorista e tinha como seu chefe direto o capitão Lessa.
Em depoimento, o comandante também confirmou que chamou o cabo de chimpanzé. Contudo, ele disse que não foi com intenção de ofender e que o comentário foi de maneira irônica.
Na ocasião, seu superior determinou que ele fosse buscar um documento em outro setor. Chegando lá, o documento contava com um anexo que parecia não ser parte do pedido. Rocha questionou, mas foi orientado a levar a encomenda do jeito que estava. Ele teria sido ofendido após entregar o documento na mesa do chefe.
“Quando ele chegou, ele virou assim: ‘quem deixou esse documento?’ Eu falei: ‘Eu’. ‘Vem aqui, ô seu chimpanzé. Você não sabe ler, não?'”, teria dito o capitão.
“‘Você é um não-verbal, um chimpanzé, um animal que não sabe ler’. Aí eu fiquei meio sem entender. (o capitão teria continuado) ‘Tira essa p* aqui da minha mesa’. Ele falou desse jeito”, contou Pedro Rocha.
O capitão de Mar e Guerra da reserva da Marinha João Ricardo Reis Lessa está sendo investigado por suspeita de discriminação racial.
Reprodução TV Globo
Pedro saiu da sala do chefe sem saber o que fazer, mas depois de alguns minutos pensando em sua mesa, ele decidiu cobrar o capitão sobre o que acabava de escutar.
“As pessoas a minha volta ficaram assustadas também (…) eu sentei na minha mesa e voltei. ‘Olha aqui, o senhor tá me chamando de macaco?’ (…) Eu não interpretei errado, interpretei totalmente correto. Não gostei da forma que o senhor falou comigo, e espero que isso nunca se repita”, relembrou o cabo da Marinha.
‘Ironia’, diz capitão em depoimento
Logo após o caso, Pedro Rocha foi levado para o Hospital Marcílio Dias, no Méier, onde foi diagnosticado com pressão alta, segundo o relatório médico.
Os médicos encaminharam o cabo para um acompanhamento psicológico após trauma por ter relatado ter sofrido preconceito racial.
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A Amazul também abriu uma investigação interna para apurar os fatos narrados por Pedro Rocha.
No procedimento, três funcionários que testemunharam o fato confirmaram o relato de Pedro. Segundo as testemunhas, o capitão da reserva chamou Pedro de “chimpanzé adestrado, que não pensa”.
Em depoimento, o comandante também confirmou que chamou o cabo de chimpanzé. Contudo, ele disse que não foi com intenção de ofender e que o comentário foi de maneira irônica. Durante a investigação interna feita pela Amazul, o capitão Lessa pediu desligamento da empresa.
As testemunhas do caso também serão ouvidas na investigação da Polícia Civil. Eles são aguardados na próxima quarta-feira (24).
Para o advogado Paulo Henrique Lima, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que também acompanha o caso, a fala do capitão foi um ato de discriminação, uma injúria de natureza racial.
A Marinha do Brasil também informou que instaurou um procedimento para apurar os fatos. A instituição disse também que “repudia condutas que atentem contra a vida, honra e os princípios militares”.
Atualmente desligado do serviço na Marinha após cumprir seus oito anos de prazo normal de alistamento, Pedro Rocha espera por justiça. Ele acredita que será exemplo para outros que passam pela mesma situação.
“Muitas pessoas sofrem lá dentro. E têm medo de falar como eu tô falando fora. E eu entendo o motivo. Eu sei que é complicado falar. A represália é grande”, argumentou.
A TV Globo tenta contato com o capitão da reserva João Ricardo Reis Lessa, mas até a última atualização desta reportagem, não teve retorno.
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