USP vai avaliar alunos aprovados por corta racial por videochamada; para especialista, câmeras tendem a embranquecer pessoas pretas


Medida será adotada em todas as modalidades de vestibular para ingresso na universidade para alunos não aprovados na análise das fotografias feitas na primeira etapa da averiguação. Neste ano, estudantes entraram na Justiça após ter a vaga cancelada por não terem sido considerados pardos. Eles foram avaliados por chamada de vídeo. Campus da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (SP)
Rodrigo Prioli/CBN Ribeirão
A Universidade de São Paulo (USP) anunciou nesta segunda-feira (22) que todas as avaliações da segunda fase de alunos aprovados por cota racial serão realizadas por chamada de vídeo a partir do vestibular de 2025.
Após a análise das fotografias feitas na primeira etapa da averiguação, comum a todos os candidatos pretos e pardos, os candidatos não aprovados serão convocados para uma oitiva virtual.
Segundo a universidade, esta foi uma decisão do Conselho de Inclusão e Pertencimento que reúne representantes de todas as escolas e faculdades da USP.
Dá para determinar se uma pessoa é parda por chamada de vídeo? USP usa método para avaliar alunos aprovados por cota racial
Como vai funcionar?
A primeira etapa do processo de averiguação é a análise das fotografias dos candidatos, obrigatória a todos os que se autodeclararam pretos e pardos.
Se o candidato não for aprovado, as fotografias seguem para verificação em outra banca, que faz a avaliação sem saber da reprovação anterior. Os candidatos que também não forem aprovados pela segunda banca serão convocados para uma oitiva virtual.
Nos casos em que, mesmo após a oitiva, a inscrição for indeferida, o candidato ainda tem a oportunidade de apresentar um recurso ao Conselho de Inclusão e Pertencimento (Coip) que poderá, caso haja a necessidade, realizar novas oitivas virtuais.
Para José Vitor, advogado especialista em direitos digitais e antidiscriminatórios e integrante do Aqualtune Lab, no entanto, não dá para determinar a cor de uma pessoa por chamada de vídeo (veja mais abaixo). Os motivos:
Tecnologias fotográficas não possuem como referência uma escala de cores escuras e tanto em câmeras digitais quanto em analógicas, de celulares ou notebooks, pessoas de pele negra retinta tendem a ficar acinzentadas e pessoas pardas, a ficar com a pele mais clara
Especialista ainda reforça que a iluminação do ambiente também muda a forma como a pessoa é vista pela câmera.
Antes, o método era adotado somente na avaliação em alunos que prestaram Enem e Provão Paulista. Quem fez a Fuvest realizava as entrevistas pessoalmente. Em comunicado, a USP informou que a decisão foi tomada após “questionamentos e judicializações por parte de alguns candidatos”.
No vestibular de 2024, alunos que tiveram matrículas canceladas após passar por averiguações virtuais entraram com processos contra a universidade e alguns deles tiveram a decisão revertida na Justiça (leia mais abaixo).
Jovem perde vaga na USP por não ser considerado pardo: ‘Avaliação durou menos de 4 minutos’, diz família
Jovem matriculado com cota perde vaga de medicina na USP por não ser considerado pardo
Estudante que teve matrícula negada por não ser considerado pardo começa aulas na USP após determinação da Justiça
Câmeras embranquecem
Em março deste ano, o g1 conversou com José Vitor, advogado especialista em direitos digitais. Segundo o advogado, chamada de vídeo não é a forma mais segura para fazer a avaliação.
As câmeras foram feitas com tecnologias que tendem a reconhecer melhor escalas de cores brancas e, consequentemente, pessoas de peles brancas.
“Os manuais das bancas de heteroidentificação não recomendam entrevista em vídeo, é sempre recomendado que seja presencial, justamente sabendo dessas questões tecnológicas. As câmeras – principalmente no celular – não simulam de forma equivalente a cor da realidade. Ela funciona como uma simulação do olho humano, mas não tem a mesma perfeição, então isso gera uma alteração em cores”, afirma.
“Essa alteração de cor, sempre vai valer a partir do momento que você interpõe na câmera a forma da luz do ambiente, o local que está vindo a iluminação e também gerar uma distração de cor”, completa.
“Se levarmos em consideração a câmera de um celular, eles tendem a conseguir reconhecer melhor uma pele branca. Uma pessoa negra retinta tira uma selfie e fica com uma cor cinzenta, por exemplo. Mesmo em câmeras analógicas, a escala de cor foi feita com uma referência europeia, de modo que você tirava fotos de pessoas negras e elas ficavam apagadas porque a iluminação não compreendia a escala de cores de peles negras. Isso foi se perpetuando na era digital por causa dos filtros”, afirma.
Ainda segundo o advogado, mesmo que a pessoa não use filtros, existem modelos de celulares que possuem na sua configuração padrão da câmera, ou seja, que não pode ser alterado, uma lógica de embelezamento. Só, que segundo ele, esse embelezamento é feito com uma ‘negação de cor’ e deixa mais clara a pessoa que está sendo mostrada.
O g1 pediu para conversar com um membro do Conselho de Inclusão e Pertencimento (Coip) da universidade, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
Estudantes entraram na Justiça
O jovem de Cerqueira César (SP) foi aprovado pelo Provão Paulista no curso de medicina da USP, mas perdeu a matrícula
Alison Rodrigues/Arquivo pessoal
Dois jovens de São Paulo que tinham sido aprovados na USP no início deste ano, perderam a vaga por não serem considerados pardos e entraram na Justiça para conseguir a matrícula.
O primeiro foi um adolescente de 17 anos, morador de Bauru (SP). Ele foi aprovado no curso de direito por meio da nota Provão Paulista e conseguiu a vaga pela política de cotas, já que se autodeclara pardo, mas na hora da banca fazer a avaliação, eles cancelaram a pré-matrícula do jovem, alegando que ele não seria pardo. A avaliação foi feita por meio de uma foto e uma videochamada.
Glauco Dalilio do Livramento conseguiu uma liminar da 14ª Vara da Fazenda de São Paulo determinando que a universidade reserve uma vaga para o estudante.
Em sua decisão, o juiz Randolfo Ferraz de Campos aceitou o pedido da defesa do estudante e afirmou que a verificação feita por meio de uma foto e uma videochamada “ofende a isonomia”.
Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, também entrou na Justiça após ter tido a matrícula recusada por considerarem que ele não era pardo. Ele também foi avaliado pela banca por videochamada.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.