Criança pode ser vegetariana? Veja o que dizem os especialistas e quais cuidados adotar


Segundo sociedades de pediatria, alguns nutrientes e minerais importantes podem ficar de fora de uma dieta sem carne e é preciso orientação profissional. Panqueca de couve-flor e couve-flor assada com legumes; pratos feitos pela chef Katty Zapata
Katty Zapata
Quanto maior a variedade dos grupos alimentares que crianças e adolescentes consomem, menor o risco de desenvolverem deficiências nutricionais que irão interferir em seu desenvolvimento. Desde que seja bem balanceada, uma dieta vegetariana pode promover o crescimento adequado.
Contudo, é preciso moderação e ponderação na hora de se adotar qualquer dieta restritiva na infância.
O alerta é da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que segue as diretrizes da Associação Dietética Americana (ADA), Academia Americana de Pediatria (AAP) e Sociedade Canadense de Pediatria (SCP) sobre vegetarianismo infantil.
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Isso porque, se por um lado uma dieta vegetariana tem menores quantidades energéticas e proporção de gorduras saturadas por refeição, além de maior teor de fibras, frutas e vegetais, por outro, o não consumo de alimentos de origem animal podem contribuir para menor ingestão de ferro, vitamina B12, cálcio e zinco. (entenda a importância abaixo)
“Devemos ter mais cuidado quando se trata de crianças e qualquer dieta restritiva deve ser realizada de forma responsável para que não comprometa o futuro delas”, afirma a pediatra nutróloga Cláudia Bezerra de Almeida, responsável pelo Ambulatório de Nutrologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O vegetariano é, por definição da SBP, o indivíduo que não come nenhum tipo de carne, aves, peixes e seus derivados, podendo ou não utilizar laticínios ou ovos.
Porém, nem toda dieta sem a proteína animal é igual e pode ser classificada de acordo com o consumo de subprodutos animais (ovos e laticínios) em:
Ovolactovegetariano: utiliza ovos, leite e laticínios na alimentação;
Lactovegetariano: não utiliza ovos, mas faz uso de leite e laticínios;
Ovovegetariano: não utiliza laticínios, mas consome ovos;
Vegetariano: não utiliza nenhum derivado animal na sua alimentação
Vegano: não utiliza qualquer alimento derivado de animal na sua alimentação, nem produtos ou roupas contendo estes alimentos
Cuidados e suplementação
Tanto a sociedade pediátrica brasileira, quanto a americana e a canadense alertam que crianças e adolescentes vegetarianos são mais vulneráveis a desenvolverem deficiência de nutrientes e, por isso, não é tão simples quanto parece seguir uma dieta com restrição: a criança e a família precisam ser acompanhados por um profissional da nutrição.
“Nos últimos tempos, tenho visto alguns pais iniciando dietas vegetarianas para crianças pequenas confiando nas mídias sociais, ao invés de procurar profissionais especializados, e chegam crianças com deficiências nutricionais graves e muitas vezes irreversíveis”, alerta Almeida.
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Outra questão importante, segundo o pediatra Julio Sérgio Marchini, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), é a necessidade, nos casos em que ocorre deficiência de nutrientes, de se fazer suplementação.
“A criança que não come carne deve passar por exames de rotina periódicos e receber suplementação, principalmente com relação à vitamina B12, que não existe nas fontes alimentares vegetais”, afirma Marchini.
A vitamina B12 é vital para a formação do sangue e o funcionamento do sistema nervoso e a sua falta pode causar anemia e deficiências neurológicas. Carnes e peixes são fontes da vitamina, e as opções de substituição para vegetarianos costumam ser os alimentos enriquecidos como cereais, extratos de levedura e substitutos de carne.
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Por outro lado, quando bem balanceada, a dieta vegetariana costuma ser rica em ácido fólico: nutriente envolvido na síntese de material genético, que atua como coenzima no metabolismo de aminoácidos. O ácido fólico ajuda no crescimento e na imunidade contra infecções. As melhores fontes são os feijões e folhas verdes escuras.
Além da orientação de um profissional, Marchini destaca outro fator que auxiliará a criança a se manter saudável em uma dieta sem proteínas de origem animal: ter passado pelo período mínimo de seis meses de aleitamento materno.
“Se a criança tiver cumprido previamente o período de aleitamento materno e tiver uma orientação nutricional, não vejo problema se não comer carne. Reforço que o aleitamento materno não tem substituto”, diz o pediatra, reforçando que mesmo assim ainda é preciso acompanhamento.
Por isso, mulheres que estão amamentando precisam garantir que estão consumindo a quantidade suficiente de vitamina B12 para passar ao filho através do leite materno.
Nutrientes para ficar atento
Além da vitamina B12, existem outros nutrientes rico nas carnes e peixe que as famílias de vegetarianos devem ficar atentos.
“Quando não recebem orientação especializada, as crianças que não consome carne, assim como filhos de mães vegetarianas desde a gestação, têm maior risco para deficiências de vitaminas e minerais como a vitamina B12, o zinco, o iodo, o ferro e o cálcio. A ingestão inadequada nessas crianças pode levar a deficiências nutricionais graves e consequências a longo prazo. Cabe destacar o atraso cognitivo, a baixa estatura, a alteração do apetite e a anemia”, explica Almeida.
Os nutrientes geralmente baixos neste tipo de dieta:
Ferro: tem como função o transporte e reserva de oxigênio, desempenho cognitivo, função imunológica. A carência pode causar anemia ferropriva e é prejudicial ao crescimento e desenvolvimento físico e mental. A melhor fonte de ferro é a carne vermelha, mas também é encontrada nos feijões e nas folhas verdes escuras.
Zinco: importante para a imunidade. Falta de zinco está relacionada ao retardo da maturação sexual, retardo do crescimento e queda de cabelo. A melhor fonte é carne, frango e peixe, mas também há zinco em semente de abóbora, gema de ovo e castanha de caju.
Iodo: tem como função a síntese dos hormônios tireoidianos T3 e T4. A carência está relacionada com o bócio, cretinismo, retardo mental irreversível. Fonte natural é a água do mar, por isso os peixes marinhos têm iodo, mas o que consumimos no sal iodado costuma ser o suficiente.
Vitamina A: é antioxidante e atua no crescimento e desenvolvimento, na manutenção das células da pele e das mucosas e ajuda no sistema imunológico. Também é importante para a saúde dos olhos. A carência provoca diminuição no crescimento, falta de apetite e cegueira noturna. Entre as fontes estão a carne, fígado e ovo de galinha, mas também está nos vegetais e frutas de cor alaranjada como cenoura, abobora e manga.
Por que a recusa
Não há dados sobre a quantidade de crianças e adolescentes vegetarianos no Brasil, mas uma pesquisa do Ipec publicada em agosto revelou que quase metade dos brasileiros, 46%, já deixam de comer carne uma vez por semana por vontade própria.
A pesquisa não ouviu menores de 16 anos, mas, segundo Almeida, tem se tornado comum atender famílias com crianças que rejeitam ou que não comem carne por algum outro motivo.
“Tenho observado uma alta frequência de crianças que não querem comer carne”, conta Almeida.
Além do fator escolha consciente no caso de crianças maiores e adolescentes, que não comem carne por dó do animal ou por alguma convicção sua ou da família, a pediatra relata que a recusa a comer carne pode ser o início de um transtorno alimentar. Por isso, é recomendado identificar o que motivou a criança a iniciar este comportamento.
“Devemos observar se a recusa é apenas uma preferência da criança quanto ao paladar, ou se existe dificuldade em lidar com a textura da carne podendo estar relacionada com dificuldades sensoriais ou de oclusão, por exemplo. A recusa também pode ter origem comportamental, podendo estar associada a alguma experiência negativa com o alimento, mas também pode ser apenas uma recusa transitória, comum em crianças de 1 a 3 anos”, diz a pediatra nutróloga da Unifesp.
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