Martelo batido só no domingo, assessores informados um minuto antes: os bastidores da decisão de Biden de desistir da candidatura


Presidente, de 81 anos, estava sendo pressionado a abandonar corrida eleitoral desde o fim de junho, quando teve um mau desempenho no primeiro debate presidencial. Idade avançada e aptidão de Biden levantaram preocupações. Polícia bloqueia rua perto da casa de praia de Biden, em Delaware, neste domingo (21)
Matt Slocum/AP
Às 14h45 de domingo (19), hora de Brasília, a equipe sênior do presidente Joe Biden foi avisada de que ele estava se retirando da corrida presidencial de 2024. Às 14h46, essa mensagem foi tornada pública.
Nunca foi a intenção de Biden deixar a corrida: até ele decidir se retirar no domingo, ele estava totalmente comprometido.
A campanha dele estava planejando arrecadações de fundos e eventos e organizando viagens para as próximas semanas. Mas, mesmo enquanto Biden, 81 anos, estava publicamente determinado e insistindo que permaneceria na corrida, ele estava refletindo silenciosamente sobre o desastre das últimas semanas, sobre os últimos três anos de sua presidência e sobre o alcance da sua carreira política —de meio século.
No final, a decisão foi apenas do presidente, e ele a tomou silenciosamente, de sua casa de férias em Rehoboth Beach, Delaware, doente com Covid-19, com a primeira-dama ao seu lado enquanto conversava com um pequeno círculo de pessoas que estão com ele há décadas.
Qual foi o caminho da campanha de Biden até o fim?
Decisão difícil
“Esta deve ser uma das decisões mais difíceis que ele já tomou”, disse o senador democrata Chris Coons, aliado mais próximo do presidente no Congresso, que conversou com ele no domingo (21).
“Eu sei que ele queria lutar e continuar e mostrar que poderia derrotar Donald Trump novamente, mas à medida que ele ouvia mais e mais opiniões, acho que ele estava lutando com o que seria melhor para o país”, disse Coons em uma entrevista à Associated Press.
Esta reportagem é baseada em entrevistas com mais de uma dúzia de pessoas familiarizadas com o pensamento do presidente nas últimas semanas, dias e horas enquanto ele tomava sua decisão. Eles falaram com a Associated Press sob condição de anonimato para falar sobre discussões privadas.
Imagem do presidente dos EUA, Joe Biden, em entrevista durante coletiva no dia 11 de julho de 2024, em Washington. O presidente Joe Biden desistiu da corrida para a Casa Branca neste domingo (21).
AP Photo/Jacquelyn Martin
A construção da certeza
Até a noite de sábado, Biden não estava certo de que deixaria a disputa. Ele começou a escrever uma carta ao povo americano.
Biden estava fora da campanha por alguns dias, isolado por causa da Covid-19, quando tudo começou a afundar —suas chances cada vez menores de conseguir derrotar Donald Trump, com grande parte de seu partido em rebelião aberta, tentando empurrá-lo para fora da corrida— sem mencionar as preocupações persistentes dos eleitores sobre sua idade, exacerbadas pelo desempenho catastrófico no debate.
Biden estava em sua casa de praia com alguns de seus assessores mais próximos e de Jill Biden: o estrategista-chefe Mike Donilon, o conselheiro do presidente Steve Ricchetti, a vice-chefe de gabinete da Casa Branca Annie Tomasini e Anthony Bernal, conselheiro sênior da primeira-dama.
No domingo, sua decisão se cristalizou. Ele falou várias vezes com a vice-presidente Kamala Harris, a quem ele endossaria. Ele informou o chefe de gabinete da Casa Branca, Jeff Zients, e sua assessora de longa data e presidente da campanha, Jen O’Malley Dillon.
Um pequeno grupo de conselheiros sêniores da campanha e da Casa Branca foi reunido para a ligação das 14h45 para transmitir a decisão de Biden, enquanto sua equipe de campanha divulgava o anúncio nas redes sociais um minuto depois.
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“Foi a maior honra da minha vida servir como seu presidente. E embora minha intenção tenha sido buscar a reeleição, acredito que é do melhor interesse do meu partido e do país que eu desista e me concentre apenas em cumprir meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato”, escreveu Biden.
Estratégia coreografada
Pouco mais de meia hora depois, veio o apoio público a Harris. Foi uma estratégia cuidadosamente coreografada para dar à declaração inicial do presidente peso total e colocar um ponto final no momento antes de seguir para o próximo passo.
“Hoje quero oferecer meu total apoio e endosso para que Kamala seja a candidata de nosso partido este ano”, disse Biden em outra postagem no X. “Democratas — é hora de nos unirmos e derrotar Trump.”
O catastrófico debate
Não é como se as coisas estivessem indo bem antes do debate contra Trump em 27 de junho. Em uma pesquisa de agosto de 2023 do The Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research, 77% dos adultos dos EUA disseram que Biden era muito velho para ser eficaz por mais quatro anos. Não só 89% dos republicanos disseram isso, mas também 69% dos democratas.
E não melhorou em abril, quando mais da metade dos adultos nos EUA pensavam que a presidência de Biden prejudicou o país em questões como o custo de vida e imigração.
Mas Biden insistiu —para si mesmo, para a nação, para seus apoiadores— que seria capaz de convencer os eleitores se ele fosse lá fora, falasse às pessoas sobre seu histórico, explicasse para elas. Falasse com elas. Olhasse-as nos olhos.
Ele tinha uma vida inteira de experiência que lhe dizia que, se persistisse, ele superaria. Sua campanha estava tão confiante, de fato, que eles organizaram contornar a Comissão de Debates Presidenciais para organizar uma série de confrontos com Trump sob um novo conjunto de regras.
Isso produziu o debate de 27 de junho que pôs em marcha a queda de Biden. Biden deu respostas sem sentido, interrompeu a si mesmo no meio da frase e parecia olhar fixamente para frente de uma audiência de 51 milhões de pessoas. Talvez o mais angustiante para outros democratas: Biden não contestou as inúmeras falsidades de Trump sobre seu envolvimento na violência em torno da insurreição de 6 de janeiro de 2021, direitos ao aborto ou imigração.
Biden e sua equipe culparam a noite por tantas coisas diferentes. Ele estava resfriado. Ele estava com jet lag. Ele precisava dormir mais. Aquela noite abriu a porta para seu partido empurrá-lo para fora.
Um convencimento lento
Publicamente e em particular, Biden estava lutando para permanecer na corrida. Ele estava trabalhando para convencer os eleitores de que estava preparado para a tarefa por mais quatro anos. Ele estava frustrado com os democratas que se manifestaram publicamente contra ele, mas ainda mais irritado com os vazamentos e fontes anônimas relatando como até o ex-presidente Barack Obama e a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi estavam trabalhando para que ele desistisse.
Parecia que ele tinha vencido algumas vezes; o coro de críticos parecia diminuir. Ele fez alguns discursos bem recebidos misturados com entrevistas de TV e um dia com uma coletiva de imprensa estendida em que mostrou um entendimento nuançado de política, mas também cometeu alguns erros impressionantes, como chamar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, de “presidente Putin”.
Mas as dúvidas não desapareceram.
O líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, convidou a equipe de Biden para uma reunião em 11 de julho para falar sobre suas preocupações. Não deu certo. Os senadores expressaram suas preocupações e quase nenhum deles disse que tinha confiança no presidente. Mas mesmo depois disso, Schumer estava preocupado que isso não estivesse chegando a Biden.
Após a reunião, Schumer ligou para o líder democrata da Câmara, Hakeem Jeffries, a ex-presidente Nancy Pelosi e o ex-presidente Obama. Schumer decidiu naquele dia pedir uma reunião com Biden.
Em uma reunião de 13 de julho em Rehoboth, Schumer disse a Biden que estava lá por amor e afeição. E ele fez um apelo pessoal focado no legado de Biden, no futuro do país e no impacto que o topo da chapa poderia ter nas eleições para o Congresso —e como isso poderia potencialmente afetar a Suprema Corte. Naquele mesmo dia, aconteceu a tentativa de assassinato de Donald Trump.
Schumer disse ao presidente que não esperava que ele tomasse uma decisão imediata, mas esperava que Biden pensasse sobre o que ele disse, de acordo com uma pessoa familiarizada com a conversa.
Biden respondeu: “Preciso de mais uma semana”, e os dois homens se abraçaram.
Enfim, a decisão de domingo
À direita, capa digital da Time publica em 21 de julho. À direita, capa da Time publicada em 28 de junho
Reprodução/Time
Tudo ocorria a todo vapor até que Biden puxou o freio de emergência.
O presidente havia perdido a voz, mas estava se recuperando bem e seu médico havia enviado uma atualização ao público pouco antes das 13h sobre sua condição. Seu pequeno círculo decidiu postar a declaração no X no domingo, em vez de deixar vazar por dias antes que ele estivesse preparado para se dirigir à nação, o que ele deve fazer no início desta semana.
Grande parte de sua campanha foi pega de surpresa, e ficou claro como pouco havia mudado depois que ele desistiu. Por horas após o anúncio, o site da campanha de Biden refletia que ele ainda estava concorrendo e KamalaHarris.com ainda redirecionava para a página de Biden.
Até mesmo a declaração de Harris anunciando sua intenção de suceder Biden foi enviada de “Joe Biden for President”.
Após o anúncio público, o chefe de gabinete da Casa Branca, Jeff Zients, realizou uma chamada com a equipe sênior, enviou um e-mail e conversou com o gabinete de Biden. O presidente também estava fazendo chamadas pessoais.
“Equipe — Queria garantir que vocês viram a carta anexa do presidente”, escreveu Zients no e-mail para a equipe. “Não poderia estar mais orgulhoso de trabalhar para o presidente Joe Biden, a vice-presidente Kamala Harris e o povo americano —ao lado de todos vocês, a melhor equipe da Casa Branca da história. Há muito mais a fazer —e, como o presidente Biden diz, ‘não há nada que a América não possa fazer — quando fazemos juntos.'”
O senador Peter Welch, de Vermont, um democrata que havia pedido para Biden desistir, estava cuidando do jardim com sua esposa quando a notícia chegou, e disse que ficou momentaneamente “atordoado”. Os senadores trocaram mensagens questionando se aquilo realmente estava acontecendo.
O senador democrata Richard Blumenthal, de Connecticut, estava em um evento em seu estado, e houve uma salva de palmas espontânea quando foi anunciado à multidão que Biden não concorreria, disse ele. Havia um sentimento de excitação e energia na multidão “que estava completamente ausente”, disse Blumenthal.
“Também houve, sejamos francos, um sentimento de alívio”, disse ele. “E um sentimento de reverência por Joe Biden.”
Na noite de domingo, Biden for President havia formalmente mudado para Harris for President.
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