Inflação, dívida pública, receitas: o cenário por trás do congelamento de R$ 15 bilhões de gastos do governo


Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, justificou que o corte é necessário para o governo se adequar às regras exigidas pelo arcabouço fiscal. País vive momento de atenção sobre o rumo das contas públicas. Haddad e Tebet
WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Na quinta-feira (18), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo decidiu congelar R$ 15 bilhões dos gastos previstos para o ano.
De acordo com Haddad, o congelamento é necessário para que o governo mantenha o controle das despesas, como prevê o arcabouço fiscal — a regra que impõe as diretrizes para o gasto público, aprovada pelo Congresso em 2023.
O arcabouço estabelece que as despesas só podem crescer em determinada proporção do aumento das receitas. E essa relação estava ficando desequilibrada.
Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de consultoria ligado ao Senado, as receitas do governo cresceram 8,5% acima da inflação de janeiro a junho. Mas as despesas cresceram mais: 10,5%, sinal de os rumos precisavam ser corrigidos.
E por que as contas públicas às vezes precisam de uma readaptação? É que, quando o governo planeja o Orçamento do ano (e o Congresso aprova), são feitas previsões de receitas e de despesas.
E essas previsões podem não se concretizar, por uma série de fatores.
Entenda, abaixo, o cenário que obrigou o governo a congelar gastos:
Haddad anuncia congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024
Déficit orçamentário
A previsão de déficit para o Orçamento deste ano, tirando o pagamento de juros da dívida, é de zero. Ou seja, receitas e despesas devem empatar.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem dando declarações que têm sido interpretadas como dúbias em relação a essa meta. Ora ele diz que está compromissado com o déficit zero, ora diz que essa é uma necessidade do mercado.
As declarações causam tensão no mercado, porque são vistas como um pouco compromisso de Lula com a responsabilidade fiscal.
💸 Se os gastos do governo se descontrolam em relação às receitas, os agentes econômicos começam a duvidar da capacidade do Brasil em honrar as suas dívidas. Os juros crescem, como uma forma de compensar os riscos dos papéis brasileiros. Os investimentos ficam mais escassos e menos dinheiro entra no país. A inflação sobe, o crescimento da economia desacelera.
Diante dessa pressão, o governo anunciou o congelamento. Lula disse que teria que ser convencido pelos seus ministros sobre o valor do corte. E deu anuência ao montante de R$ 15 bilhões.
Mas economistas entendem que esse congelamento ainda é tímido para zerar o déficit.
“Na minha avaliação, se vier um limite de gastos, um bloqueio de gastos menor do que R$ 23 bilhões — esse é o limite mínimo necessário — ficará sinalizado que o governo continua com a mesma intenção de empurrar com a barriga. Foi o que ele fez no ano passado”, afirmou o economista Marcos Mendes,
“Ano passado, ele [o governo] prometeu no início do ano um déficit primário de 0,5% do PIB e entregou quase 2,5% do PIB”, continuou. “Este ano, continua a mesma toada de empurrando a má notícia para o final do ano, mas o estresse está muito alto, e seria importante que o governo desse uma sinalização agora de que está efetivamente interessado em cumprir as metas fiscais”, completou Mendes.
Dívida pública
Outro indicador que é afetado pela desorganização das contasé a dívida pública.
Em maio, a dívida do setor público consolidado (que abrange governos federal, estaduais e municipais e empresas públicas), chegou a R$ 8,5 trilhões. Isso significa 76,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
O patamar é considerado elevado para países emergentes do porte do Brasil.
Quanto mais o governo se endivida (acumulando déficits em vez de superávits), maior é a pressão em cima da moeda (o real tende a se desvalorizar) e em cima da inflação (produtos vão ficando mais caro). Isso porque surge no mercado uma dúvida se o país conseguirá honrar seus compromissos.
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Qual o caminho para equilibrar as contas públicas?
Inflação
Um dos maiores traumas da sociedade brasileira quando se fala em economia é a hiperinflação. O fenômeno foi debelado na década de 1990, com o Plano Real. Mas ainda é uma preocupação das famílias e de especialistas.
Um dos motivos para a taxa de juros básica no país estar em 10,5% é o controle da inflação. O Banco Central aponta que a falta de clareza do governo com o compromisso fiscal.
No Boletim Macrofiscal, divulgado nesta quinta (18), o Ministério da Fazenda elevou a previsão para a inflação deste ano de 3,7% para 3,9%.
A meta central de inflação é de 3% neste ano, e será considerada formalmente cumprida se o índice oscilar entre 1,5% e 4,5% neste ano. Ou seja, começa a ficar mais perto do teto do que do centro da meta.
Qual é a alternativa?
Durante o primeiro ano do mandato, o governo buscou melhorar as contas públicas pela via das receitas. Ou seja, melhorar a arrecadação de impostos, através de um aquecimento na economia.
Mas, por mais que as receitas estejam melhorando, ainda não são suficientes. Especialistas alertam que é preciso cortar também gastos. E que o corte seja em gastos desnecessários.
O governo anunciou um “pente-fino” em benefícios sociais, em busca de pagamentos irregulares que podem ser cortados. A estimativa é economizar bilhões.
Como disse a ministra do Planejamento, Simone Tebet, ao longo da semana, programas fundamentais para a sociedade e benefícios pagos a quem realmente tem direito não serão bloqueados:
“De forma objetiva, vamos ter de cortar gastos. Mas vamos cortar gastos naquilo que efetivamente está sobrando. Fraude, erros e irregularidades, ainda têm muito. Por isso, temos de fazer reformas estruturantes para poder ter [recursos] para aquilo que mais precisa. Onde mais precisa? Eu sou professora e sei. É na educação e na saúde”, disse Tebet.
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