Martinelli, 1° arranha-céu de SP, tem festas com entradas de R$ 40 a R$ 150; produtores se dizem reféns de prédios para voltar ao Centro


Expectativa do Grupo Tokyo é manter local aberto com eventos-testes até agosto, quando será fechado para reformas. Quem trabalha com festas se diz expulso da região central e os prédios, que estão com a iniciativa privada, são uma das poucas alternativas para retornar. Festa ‘Flerte’ da Novo Affair no Martinelli
Pedro Lacerda
O Edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu de São Paulo, agora virou balada. Reaberto desde março deste ano, sob a concessão do Grupo Tokyo, o local ainda não tem o café e o restaurante prometidos mas está recebendo festas com ingressos entre R$ 50 e R$ 150 que têm ficado com lotação esgotada.
Segundo Fábio Floriano, sócio-fundador do Grupo Tokyo, a ideia é manter as festas até o final de agosto, quando o edifício será novamente fechado para reformas.
“Quando fizemos a reabertura, nos demos conta de que neste ano o Martinelli vira centenário, por isso decidimos fazer 100 dias de abertura com uma série de atividades. Desde festas a eventos, como o São Paulo Fashion Week, enfim, toda uma gama de atividades e a visita guiada gratuita até o terraço. Nos 100 dias, procuramos devolver o espaço para a população”, afirma.
O Martinelli segue a linha dos prédios antigos de São Paulo que passaram a ter um papel importante na vida noturna da capital.
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Floriano afirma ainda que não foi realizada nenhuma reforma estrutural no local porque isso está em negociação com os órgãos de proteção ao patrimônio. O edifício é tombado pela classificação NP2 desde 1992, ou seja, características externas e elementos internos do local devem ser protegidos.
Em 2020, a Prefeitura de São Paulo lançou o primeiro edital de licitação para a concessão do edifício, mas, a pedido do Tribunal de Contas do Município (TCM), o processo foi suspenso para ajustes nas regras da concessão;
Mensalmente, o grupo tem de pagar o valor fixo de R$ 135 mil para a prefeitura;
Os espaços que são objeto da concessão estão situados na loja 11 e nos andares 25º, 26º, 27º e 28º do edifício, totalizando uma área de 2.570 m².
Fachada do Martinelli, no Centro de SP.
Renata Bitar/ g1
O grupo Tokyo pretende:
Ter um cinema e teatro no local;
Café e restaurante com mais de 200 lugares;
Galeria de arte;
Loja;
Espaço para gravação de podcast;
Eventos de experiências holográficas.
“O nosso plano inicial era fechar em julho, só que a demanda está sendo tão alta, e a recepção tão positiva, que estamos decidindo estender o período de ativação até o final de agosto”, afirma Floriano.
Após a reforma, a ideia do grupo é manter o local aberto para festas nômades para que o local “seja frequentado por todas as pessoas de São Paulo”.
“A gente não quer transformar o Martinelli na Tokyo, ou na Selva. Cada local tem a sua identidade. É para receber desde a galera que curte eletrônica até o pessoal do samba no domingo. O Martinelli é uma maneira de ver a grandiosidade da cidade, a pessoa se coloca no seu lugar de ter uma noção da dimensão do espaço em que está inserido”, afirma o empresário.
E arremata: “A gente investe no Centro e acredita que não é uma questão de insegurança ali, é justamente a ocupação desse local que muda as coisas. Se 19h tudo fecha, as pessoas vão se sentir inseguras”.
Expulsos do Centro
São Paulo tem todos os perfis de festas que se pode imaginar, mas um que se estabelece cada vez mais são as festas nômades, que realizam suas edições cada vez em um espaço diferente.
Por que isso acontece?
Por que manter um espaço físico definitivo é caro;
Não é uma festa que vai ocorrer todo final de semana;
Vontade de ocupar espaços públicos na cidade.
“A cena eletrônica de São Paulo é muito boa. A gente só fica atrás de Berlim, talvez. Temos muitos djs, muito produtores e muitas festas, depois da pandemia a coisa potencializou. Mas a locação é um problema gigantesco. Nos últimos anos, a administração pública da cidade está expulsando o entretenimento do Centro e do Centro expandido”, afirma Gabriel Lopes, co-idealizador da festa Novo Affair.
Para Pedro Athie e Maria Olivia Aporia, fundadores da festa Tesãozinha, ser uma festa nômade é uma escolha para permitir que seus frequentadores conheçam mais espaços da cidade. Mas ainda assim existem inúmeras dificuldades em conseguir um espaço. Ela destaca que existem espaços bons, mas sem alvará, ou muito caros (até R$ 60 mil por uma noite), ou em locais inseguros.
“É muito difícil ter que se adaptar às condições e aos desafios de cada locação nova. Às vezes aparecem dificuldades com que a gente nunca trabalhou, inseguranças com os proprietários, aluguéis superfaturados, sujeiras e poças de água onde não imaginávamos ter. Mas são riscos que corremos para não andar junto da especulação imobiliária”, afirma Pedro.
Para produtores, quando o poder público não investe em cultura e lazer, as festas acabam sendo expulsas de locais mais acessíveis, principalmente no Centro.
“A cidade está tomada pelo setor imobiliário de uma forma que não integra espaços para cultura e lazer: são centenas de empreendimentos residenciais. Tem um impacto na cultura porque são menos locais acessíveis e a gente acaba sendo expulso do Centro, de áreas próximas, e sofre com a escassez causada por um crescimento que não deixa lugar para o lazer”, afirma Gabriel.
“A gente fica em um eterno dilema: escolher um local bem localizado, mas com ingresso caro e consequentemente menos democrático, ou um lugar mais afastado, só que mais barato”, completa.
A Novo Affair realizou uma edição no Martinelli com ingressos que se esgotaram em menos de 5 minutos, mesmo com o preço alto (chegando a R$ 150). Para Gabriel, a concessão do edifício permitiu que festas que tinham sido expulsas do Centro voltem a ocupar a região.
“O nosso evento no Martinelli foi a venda mais rápida que teve. As pessoas compram porque é incrível estar naquele lugar, onde você é engolido pela cidade. O ponto negativo é que o preço é caro, e só está acontecendo por causa da iniciativa privada. Então a gente tem uma festa com um valor muito maior do que está acostumado a vender, já que o grupo privado precisa lucrar.”
Festa Novo Affair no Martinelli
Pedro Lacerda
“É uma constatação da realidade: como você faz lá já nasce com uma segregação, porque não é todo mundo que vai ter R$ 70, R$ 150 para pagar em um ingresso”, completa.
A Tesãozinha fez uma edição da festa no Martinelli porque boa parte do seu público nunca tinha estado no edifício. A festa virou uma oportunidade de apresentar o espaço.
Como são definidos os valores dos ingressos?
Segundo os produtores ouvidos pelo g1, o valor dos ingressos é definido após uma conversa com os donos do Martinelli.
A Tesãozinha informou que a ideia, inicialmente, ela levar o evento para o edifício com os valores de qualquer edição da festa – entre R$ 40 e R$ 60. Mas, na negociação, os ingressos disponíveis nos lotes iniciais de R$ 40 foram poucos, e o último lote chegou a R$ 110.
“A partir desse convite, não tivemos liberdade de estipular o valor dos ingressos, e as contrapartidas financeiras não se sustentam nenhum pouco. Nesta edição, em que não tínhamos gerência, por exemplo, com equipes de segurança, ficou bem explícito o despreparo do grupo para lidar e atuar com artistas e grupos que são em si a própria Tesãozinho”, afirma Maria.
Voltar para o Centro… mas em prédios
Para Pedro e Maria, da Tesãozinha, ter os prédios privados como uma única maneira de ocupar a região é uma “tristeza”.
“Mas é a única maneira de continuar no Centro. Sair da rua, de edições no antigo Anhangabaú, e verticalizar essa experiência é uma questão diretamente ligada com o Plano Diretor da cidade e com o crescimento imobiliário. A gente sente uma desconexão com a rua. Festa em prédio pode ser muito massa ou muito devastador para a cidade, é preciso olhar com a complexidade que o caso merece.”
“Esses edifícios estavam ou desocupados ou impedidos ou destinados à falência. Na medida em que aquilo se torna um club, e no momento e contexto atual do Centro e da prefeitura, o local faz parte do ‘desejo de reocupar’, como os donos desses locais estão dizendo por aí, mas achamos um equívoco dizer que o Centro não estava habitado. Muito pelo contrário”, completa Pedro.
‘Safári’ no Centro
Para Pedro Vada, professor de Urbanismo na Escola da Cidade, o barateamento de imóveis no Centro proporciona a empresários a oportunidade de fazer uma espécie de “safári”. O urbanista ainda argumenta que este é um movimento antigo, que começou com os rooftops, mas sofre algumas modificações para voltar a ocupar a região central, que foi negligenciada nos últimos anos.
“Você ocupa uma região que é barata por conta do abandono do poder público, mas com uma parcela da população que tem muito dinheiro, atraindo um público de classe média, classe média alta, principalmente jovens. A própria prefeitura tem um esforço para colocar mais áreas de habitação no Centro”, conta.
Mas qual o lado negativo de atrair mais pessoas para o Centro? Segundo Vada, o real problema é a falta de investimento em locais que já existem e são utilizados pela população.
“Esses bares e baladas não estavam no Centro, não são acostumados a estar no Centro, mas vêm para cá ocupar lugares mais baratos e que têm uma visão do Centro revitalizado. Para o público desses locais, o Centro vira um ambiente exótico, um verdadeiro safári. Eles chegam em ambientes megacontrolados, com segurança, sobem em um prédio e ficam completamente isolados do que acontece embaixo, ficam só com a paisagem maravilhosa”, afirma.
“É um safári de um ambiente que poderia ser perigoso, mas está controlado. O térreo vai continuar com os mesmos problemas e ainda tem toda uma relação com as pessoas que querem estar nesses lugares, mas não vêm para o Centro. Eles não pegam metrô, eles vêm de carro, sobem e depois vão embora.”
Próximas festas no Martinelli
Festa Luna, sábado (20), com ingressos a partir de R$ 120;
Pista Quente, domingo (21), com ingressos a partir de R$ 70;
Exotica Dance Club, 27 de julho, com ingressos a partir de R$ 120;
Sunday Sessions, 28 de julho, com ingressos a partir de R$ 120.
Serviço:
🗓️Quando? Sábados e domingos
📍Onde? Edifício Martinelli | R. São Bento, 405 – Centro Histórico
💲Quanto? Valor muda de acordo com a festa
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