Em primeiro discurso após atentado, Trump começa moderado mas volta a mentir e a atacar imigrantes e adversários


Nesta quinta-feira (17), Donald Trump cumpriu a formalidade e disse que aceitava a nomeação como candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos. Trump pede união, mas também ataca adversários e espalha informações falsas
Donald Trump encerrou a convenção republicana com um discurso que apelou por união nos Estados Unidos. Mas o ex-presidente atacou adversários e disseminou informações falsas – principalmente sobre imigração.
Neste sábado (20), Donald Trump tem compromisso no Michigan. Vai ser o primeiro comício dele desde de sábado (13), quando sofreu o atentado na Pensilvânia. Mas, agora, com uma novidade importante: vai ser em um local fechado, em um ginásio, por motivo de segurança. A polícia e o Serviço Secreto já disseram que estradas vão ter bloqueios e o acesso ao local também vai ter um esquema de segurança mais reforçado.
Nesse comício, Donald Trump vai estar pela primeira vez lado a lado com o candidato a vice na sua chapa, J.D. Vance. O candidato republicano já deu uma ideia do que ele quer dizer ao eleitor – e do tom desse discurso.
No discurso de quinta-feira (18), Donald Trump improvisou em muitos momentos. Inclusive, o discurso ficou bastante longo, com mais de uma hora e meia. Ele mencionou uma única vez o nome do presidente americano, Joe Biden. Algo que a assessoria dele tinha dito que ele não faria.
A noite misturou tipos diferentes de apoiadores de Donald Trump. Mike Pompeo, que foi secretário de Estado, elogiou o ex-chefe. O astro da luta livre Hulk Hogan rasgou a camiseta para pedir voto. E o filho Eric Trump lembrou do susto que a família passou com a tentativa de assassinato no sábado (13). Com os netos no colo, Trump assistia ao evento. A esposa e ex-primeira-dama, Melania Trump, apareceu no último dia de convenção.
Donald Trump surgiu no palco às 21h30, pelo horário local, para o discurso mais esperado da semana e falou por mais de uma hora e meia no discurso mais longo da história de todas as convenções. Com a Casa Branca ao fundo, o ex-presidente começou o discurso com uma postura mais serena e com um tom de voz mais baixo do que de costume, pedindo união.
“Vamos lançar juntos uma nova era de segurança, prosperidade e liberdade para cidadãos de todas as raças, religiões, cores e crenças. A discórdia e a divisão na nossa sociedade precisam ser curadas, rapidamente. Ou nos levantamos juntos, ou desabaremos. Estou concorrendo para ser presidente de todo o país, e não metade dele. Não há vitória apenas pela metade”, afirmou.
Em seguida, cumpriu a formalidade e disse que aceitava a nomeação como candidato do Partido Republicano com orgulho.
Trump foi atingido na orelha
Reuters
Ainda falando em um tom muito mais baixo do que o comum, Trump relembrou o atentado de sábado, quando foi baleado de raspão na orelha durante um comício na Pensilvânia. Trump disse que só falaria desta vez sobre o assunto porque é algo muito dolorido.
“Se eu não tivesse mexido minha cabeça naquele último instante, a bala do assassino teria atingido perfeitamente o alvo e eu não estaria aqui hoje à noite. Nós não estaríamos juntos”, disse.
Trump contou que ouviu um zunido muito alto e pensou: “Só pode ser uma bala”. Depois, já cercado por agentes do Serviço Secreto, viu a multidão confusa, achando que ele tinha morrido. Por isso, levantou o punho fechado para mostrar aos eleitores que estava bem, e gritou: “Lutem, lutem, lutem”. Os apoiadores na convenção gritaram em coro.
A foto histórica do momento era exibida no telão. Trump elogiou os agentes que o protegeram e também homenageou Corey Comperatore, baleado e morto durante o comício. Levou ao palco a roupa de bombeiro com o nome da vítima, beijou o capacete e pediu silêncio.
O tom conciliador foi mudando enquanto Trump avançava no discurso. Ele disse que ninguém deveria criminalizar e demonizar discordâncias políticas, mas na frase seguinte atacou os democratas e acusou o partido rival de usar o sistema de Justiça como arma.
Depois, retomou os temas centrais da campanha. Na contramão de uma preocupação mundial com o aquecimento do planeta e as mudanças climáticas, Donald Trump disseque vai suspender projetos de energia limpa no país e prometeu investir na indústria de combustível fóssil. Foi aplaudido quando disse:
“Nós vamos perfurar, baby, perfurar”.
Uma referência à exploração de poços de petróleo. Trump acredita que aumentar a exploração pode ajudar a baixar os preços dos combustíveis. Mas a produção de petróleo e de gás natural já está em níveis recordes no governo Biden.
Trump disse mais de uma vez ao longo do discurso:
“Fiz os maiores cortes de impostos da história”.
Mas, na verdade, não foi bem assim: o índice de corte de impostos do governo de Trump foi o oitavo maior do último século, menor do que o do também republicano Ronald Reagan, por exemplo, em 1981, e do governo do democrata Barack Obama, de 2010 a 2012.
Trump responsabilizou os democratas pelo o que chamou de uma “inflação nunca antes vista”. A informação está errada. A inflação no governo Biden chegou a mais de 9% em 2022, com o maior índice em quatro décadas. Mas, atualmente, baixou para 3%. O recorde de inflação no país foi nos anos 1920.
Atirador que tentou matar Trump fez pesquisas sobre o ex-presidente e também sobre Biden na internet, diz FBI
Sem apresentar provas, Trump disse que os imigrantes que entram ilegalmente pela fronteira saíram de hospícios e são terroristas.
“Nossa taxa de criminalidade está aumentando enquanto a criminalidade do mundo está diminuindo porque eles estão colocando essas pessoas no nosso país”, afirmou.
Os números da Polícia Federal americana provam que a declaração do candidato republicano não está correta. Os crimes estão em queda nos Estados Unidos, segundo o FBI. O número de homicídios caiu 13% no quarto trimestre de 2023 na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Trump sugeriu que a criminalidade na Venezuela e em El Salvador está diminuindo porque os assassinos estão sendo mandados de lá para os Estados Unidos. Disse que na Venezuela, o crime caiu 72%, e que, em El Salvador, os homicídios diminuíram 70%.
Mas relatórios de organizações venezuelanas independentes mostram que a taxa de homicídios no país caiu 25% em 2023 na comparação com o ano anterior. Já em El Salvador, os homicídios diminuíram 70% de 2022 para 2023, mas não porque o país está enviando prisioneiros para os Estados Unidos. E, sim, por causa da política de repressão do presidente. A população carcerária no país quase triplicou de 2020 a 2023.
Trump prometeu acabar com a crise migratória, fechando a fronteira e concluindo o muro. No discurso, disse que a maior parte foi construída no mandato dele. Na campanha de 2016, Trump prometeu construir 1,6 mil km de muro na fronteira com o México. Mas o governo dele construiu 737 km – na maior parte, reformou o que já existia. Foram 75 km de construção nova. No total, Trump construiu ou reformou o equivalente a menos de 25% do muro na fronteira.
O ex-presidente voltou a negar a derrota na eleição de 2020 e sugeriu que os democratas usaram a pandemia de Covid para trapacear. Mais de 60 processos foram abertos para investigar a possibilidade de fraude nas urnas de 2020. Nenhum deles indicou algo de errado no processo eleitoral americano.
A mentira não é novidade na política. Muito menos nos Estados Unidos. Desde os anos 1970, existem agências de checagem de fatos que apontam o que é exagero oi falso na fala de políticos. Mas a eleição de Trump em 2016 transformou tudo.
Maria Haigh é professora da Universidade de Wisconsin-Milwaukee e especialista em desinformação em campanhas eleitorais. Ela explica que, na política, Trump está nem uma categoria criada por ele próprio, da pós-verdade.
“Ele mente o tempo todo. O jornal ‘The Washignton Post’ catalogou por quatro anos as mentiras dele como presidente. Foram mais de 30 mil. As pessoas sabem, aceitam e já esperam isso dele. Isso é Trump. O método de Trump com as mentiras é usar a emoção das pessoas”, disse Maria.
Maria explicou que a única forma de neutralizar as mentiras usadas como ferramenta de campanha é educando pessoa por pessoa sobre este método de manipulação.
LEIA TAMBÉM
Conheça o perfil de eleitores de Donald Trump
Trump faz primeiro discurso após a tentativa de assassinato
Em meio a rumores de desistência, Biden diz que vai retomar campanha na semana que vem
Adicionar aos favoritos o Link permanente.