Dúvida sobre depoimento de vítima foi ponto-chave para tribunal da Espanha absolver Daniel Alves; entenda


Tribunal destacou que processo teve falhas que podem ter prejudicado princípio da presunção de inocência. Decisão desta sexta-feira (28) reverteu a condenação do ex-jogador. 5 de fevereiro de 2024 – Daniel Alves no 1º dia de julgamento na Espanha
David ZORRAKINO / POOL / AFP
O ex-jogador Daniel Alves foi absolvido da acusação de estupro pelo Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, na sexta-feira (18). A decisão que reverteu a condenação do brasileiro teve um fator-chave: dúvidas sobre o depoimento da vítima com base nas provas do processo.
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▶️ Contexto: Daniel Alves foi acusado de estupro por uma jovem no início de 2023. O crime teria acontecido dentro de uma discoteca de Barcelona, na Espanha, em dezembro de 2022.
O ex-jogador foi preso em janeiro de 2023, durante as investigações do caso.
Em fevereiro de 2024, Alves foi condenado pela Justiça da Espanha a 4 anos e 6 meses de prisão por estupro. A defesa dele recorreu da decisão.
Ao longo do processo, o ex-jogador mudou sua versão sobre o caso várias vezes. Em um primeiro momento, ele disse que não conhecia a vítima. Por fim, admitiu que os dois fizeram sexo, mas garantiu que a relação foi consensual.
Um mês após a condenação, o ex-jogador deixou a cadeia após o pagamento de uma fiança de 1 milhão de euros.
📝 Nova decisão: O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha analisou recursos tanto da defesa de Daniel Alves quanto da advogada que representa a jovem e do Ministério Público. Enquanto a defesa buscava anular a pena, a acusação afirmava que o jogador deveria ficar mais tempo preso.
A Justiça resolveu negar os recursos da acusação e do Ministério Público.
Em relação aos argumentos apresentados pela defesa do ex-jogador, o Tribunal entendeu que os questionamentos sobre a avaliação das provas do caso durante o julgamento eram válidos.
Com isso, a Justiça declarou a absolvição de Daniel Alves, tornando sem efeito todas as medidas cautelares adotadas.
🔑 Ponto-chave: Os juízes que analisaram o recurso destacaram que a decisão que condenou Daniel Alves apresenta “lacunas, imprecisões, inconsistências e contradições sobre os fatos”. Além disso, o Tribunal cita que houve falta de confiabilidade no depoimento da vítima.
De acordo com a decisão, existe uma contradição em alguns relatos da vítima em relação às provas apresentadas no processo.
O Tribunal cita que imagens gravadas por câmeras de segurança mostraram situações distintas das relatadas pela vítima.
Com base nessa análise, os juízes entenderam que o relato da vítima não era suficientemente viável para sustentar a condenação.
📌 O que dizia a decisão que condenou Daniel Alves:
A decisão desta sexta-feira traz um trecho da condenação de Daniel Alves, no qual o Tribunal de Primeira Instância afirma que as gravações não mostram a vítima “contrariada, relutante ou sem vontade de continuar na festa”.
Em vez disso, segundo a análise judicial, a jovem “aparece dançando com o acusado da mesma forma que qualquer outra pessoa que estivesse disposta a se divertir”.
A análise feita no momento da condenação também apontou que a jovem teria ido ao banheiro com Daniel Alves de forma voluntária, “com o propósito de estar com o acusado em um espaço mais íntimo”.
Mesmo assim, a decisão que condenou o ex-jogador levou em consideração que esses fatos não implicam necessariamente que houve consentimento na relação sexual entre os dois.
📌 O que entendeu a Justiça ao analisar o recurso:
O Tribunal Superior entendeu que a divergência entre o relato da jovem “e o que realmente aconteceu” compromete de forma grave a confiabilidade do depoimento da vítima.
Os juízes questionaram a decisão anterior, que afirmou que o “desajuste” na versão da vítima não comprometeria o núcleo essencial da conduta que embasou a acusação ao ex-jogador.
“Não compartilhamos esse raciocínio da primeira instância. O fato de a denunciante apresentar um relato objetivamente discordante da realidade afeta de maneira muito significativa a análise da confiabilidade de seu depoimento como testemunha”, disseram os juízes.
Apesar disso, a Justiça afirma que isso não quer dizer que o estupro não tenha ocorrido. Neste caso, os juízes argumentam que a versão da acusação não pôde ser comprovada com base nas provas apresentadas no processo.
❌ Falhas no processo: Segundo o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, diante das provas apresentadas, a decisão que condenou o ex-jogador foi dada sem “que tenham sido superados os padrões exigidos pela presunção de inocência”.
A Corte também entendeu que houve um erro na condenação no momento em que a sentença confundiu credibilidade (subjetiva) com fiabilidade (objetiva e verificável).
O Tribunal também entendeu que a sentença falhou na fundamentação da condenação, não atendendo ao nível de rigor exigido pelo Tribunal Constitucional Espanhol.
Os juízes afirmaram que assistiram à íntegra do julgamento e analisaram todas as provas documentais e videográficas do caso.
Ainda segundo o Tribunal, durante o processo que levou à condenação, faltou o confronto adequado de provas técnicas.
Diante dessas falhas, os juízes decidiram reverter a condenação e absolver o réu.
🔎 O que dizem as partes
Após a decisão do Tribunal Superior, as advogadas de defesa e acusação se pronunciaram.
A advogada de Alves disse estar “muito feliz” com a sentença, em entrevista à rádio espanhola RAC1. Ela afirmou que a justiça tinha sido feita, mostrando que o ex-jogador é inocente.
Já a advogada que representa a jovem afirmou que a decisão é um retrocesso e que vai recorrer. Ela disse acreditar que o caso pode desincentivar outras mulheres a denunciarem agressões sexuais.
‘Só Sim é Sim’
“Só Sim é Sim”: caso Daniel Alves foi o primeiro grande teste da aplicação de lei espanhola nos tribunais
A legislação que embasou a condenação do ex-jogador entrou em vigor na Espanha em 2022. Chamada de “Só Sim é Sim”, a lei eliminou a diferença entre abuso sexual e agressão sexual e passou a deixar claro o que constitui consentimento em uma relação.
O texto foi aprovado após um episódio de 2016 que ficou conhecido como “La Manada”. À época, uma jovem de 18 anos foi estuprada coletivamente por cinco homens. Os abusos foram gravados pelos próprios agressores. O caso levou milhares de manifestantes às ruas.
Quando a lei foi aprovada, a ministra da Igualdade da Espanha, Irene Montero, afirmou que nenhuma mulher teria que provar que houve violência ou intimidação durante uma agressão sexual para que esta fosse caracterizada como tal.
“Reconhecemos todas as agressões como violência sexista”, afirmou, segundo o jornal El País, em agosto de 2022.
À época, a imprensa internacional repercutiu que críticos da lei afirmavam que o texto poderia comprometer o princípio da presunção de inocência, já que caberia ao acusado provar que houve consentimento na relação.
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