Dados melhoram, mas Brasil ainda tem 28,8 milhões de crianças e adolescentes na pobreza, diz Unicef


Percentual recuou de 62,5% dos jovens brasileiros em 2017 para 55,9% em 2023. Além da renda, levantamento considera itens como acesso a informação, água, saneamento e moradia. Família em área de baixo desenvolvimento, em imagem de arquivo
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL via BBC
O número de crianças e adolescentes brasileiros vivendo na pobreza recuou de 34,3 milhões em 2017 para 28,8 milhões em 2023, apontam dados divulgados nesta quinta-feira (16) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A comparação representa uma melhora de 16% no indicador, mas indica um caminho longo a percorrer.
Os 28,8 milhões de 2023 representam 55,9% da população de 0 a 17 anos do país. Ou seja: mais da metade dos jovens brasileiros ainda vivem o que o Unicef chama de “pobreza em suas múltiplas dimensões”.
O levantamento usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, e ultrapassa o critério apenas da renda familiar. São sete dimensões:
renda;
educação;
acesso à informação;
água;
saneamento;
moradia;
proteção contra o trabalho infantil.
Na comparação entre 2017 e 2023, houve melhora em todos esses itens – mas o ritmo das conquistas e o estágio atual de cada indicador são bem diferentes.
No caso da renda, por exemplo, o número de crianças e adolescentes em privação recuou de 25,4% para 19,1%. No acesso à informação, a queda foi ainda mais vertiginosa – eram 17,5% afetados em 2017, e só 2,5% em 2023.
“Aexpansão do Bolsa Família pode ter contribuído para tirar pelo menos quatro milhões de crianças e adolescentes da privação de Renda – um número cerca de cinco vezes o estimado em 2019 (800 mil), o último ano antes da expansão do Programa”, conclui o Unicef.
O êxito é menor em outros critérios. O percentual de crianças sem acesso a saneamento básico ainda era de 38% em 2023 (contra 42,3% em 201&0. O índice de crianças e adolescentes em trabalho infantil ficou praticamente estagnado: passou de 3,5% para 3,4%.
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Pandemia prejudicou alfabetização
Ao comparar os dados anteriores e posteriores à pandemia da Covid-19 – que começou em 2020 e alterou o dia a dia no planeta inteiro por quase três anos –, o Unicef conseguiu mapear um impacto profundo dessas mudanças na alfabetização dos jovens brasileiros.
No relatório de 48 páginas do Unicef, esse ponto aparece como uma das áreas mais críticas.
Considerando as crianças entre 7 e 8 anos de idade – momento em que elas deveriam estar concluindo a alfabetização –, o percentual de não alfabetizados pulou de 14% para 30% entre 2019 e 2023.
“Todos os coortes [grupos de pessoas] afetados pela pandemia durante a fase de alfabetização mostram considerável e consistente aumento das taxas de analfabetismo. A privação de estar na escola na idade certa também apresenta piora nos coortes atingidos pela pandemia no início da idade escolar”, afirma o Unicef.
Privação extrema
Dentro desse grupo de crianças e adolescentes atingidas por alguma dimensão da pobreza, o cenário não é sempre o mesmo.
O estudo do Unicef classifica alguns casos como “privação extrema” – ou seja, condições ainda mais drásticas motivadas pela falta de acesso a renda, saúde, educação e moradia.
Em 2017, 23,8% das crianças e adolescentes do país estavam em “privação extrema” em ao menos uma das dimensões pesquisadas. Ou seja, em média, um em cada quatro jovens do país.
Em 2023, o número melhorou. Passou para 18,8%, ou um em cada cinco jovens.
Tanto na pobreza total quanto na pobreza extrema, os relatórios indicam que a situação é mais difícil para crianças e adolescentes negros.
“Embora haja também uma tendência de redução, as taxas para crianças e adolescentes de raça negra permanecem consistentemente mais altas em comparação com a crianças e adolescentes de raça branca, destacando disparidades raciais significativas no que diz respeito às condições de vida e acesso a recursos essenciais”, resume o estudo.
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Desigualdades regionais
O estudo traz ainda dados considerando diferenças regionais e geográficas. Segundo a pesquisa, crianças e adolescentes que residem em áreas rurais enfrentam consistentemente níveis muito altos de privação, com percentuais variando acima de 95% em todos os anos pesquisados.
Em 2023, a taxa de crianças e adolescentes que residem em áreas rurais e que possuem algum tipo de privação caiu para 95,3%, após ter chegado a 96,9% em 2019.
O percentual de crianças e adolescentes com alguma privação em áreas urbanas teve uma redução ainda maior, de 51,8% em 2019 para 48,5% em 2023.
O tipo de privação que mais se destaca, tanto em áreas rurais quanto urbanas, é o saneamento.
Enquanto em áreas urbanas, o percentual com privação de saneamento é de quase 28%, em áreas rurais esse percentual chega a quase 92%.
“O resultado reflete as dificuldades contínuas enfrentadas por crianças e adolescentes em áreas rurais, onde o acesso a serviços básicos, educação e infraestrutura é frequentemente limitado”, afirma o Unicef.
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Situação nos estados
O estudo separou também os dados por estado. Os estados que apresentaram os piores índices de privação foram:
Pará: 89,5% das crianças e adolescentes
Maranhão: 88,6%
Rondônia: 88,1%
Amapá: 88%
Já São Paulo (31,8%), Distrito Federal (34,1%) e Minas Gerais (38,3%) estão entre as unidades da federação com as melhores porcentagens do país.
Mapa mostra percentual de crianças e adolescentes em situação de pobreza, por estado, em 2019 e 2023
Unicef/Reprodução
Em 2023, seis dos 27 estados possuíam mais de 80% das crianças com privação de algum dos direitos fundamentais. Todos os seis estados estão nas regiões norte (Pará, Rondônia, Amapá e Acre) e nordeste (Maranhão e Piauí).
Além disso, o estudo traz ainda o número absoluto de crianças e adolescentes com alguma privação em 2023. Nesse recorte, a maioria das crianças e dos adolescentes com alguma privação está em São Paulo (3,3 milhões de crianças), Bahia (2,4 milhões) e Pará (2,2 milhões).
Insegurança alimentar cai, mas segue alta
O estudo analisou também, separadamente, a segurança alimentar da população mais jovem do Brasil.
Em 2018, 50,5% das crianças e adolescentes estavam em situação de insegurança alimentar – ou seja, tiveram de reduzir a quantidade ou a qualidade de alimentos consumidos em razão de alguma dificuldade.
Em 2023, esse percentual recuou para 36,9%.
Também em 2018, 7,4% dos brasileiros menores de 18 anos passaram por algum momento de “insegurança alimentar grave”. É quando a pessoa fica sem comer – ou seja, passa fome – por falta de dinheiro ou outros recursos.
Em 2023, esse índice caiu para 5,1%.
Nos dois casos, mesmo com a melhora recente, o Brasil segue abaixo do melhor resultado verificado em 2013 (33,5% em insegurança alimentar, 4,9% em insegurança alimentar grave).
“Apesar da expansão das transferências de renda no período posterior à pandemia, registrada em 2023, ainda havia um percentual de crianças e adolescentes em situação de Insegurança Alimentar levemente acima do nível de 2013, apesar da melhora em comparação aos níveis de 2018. Tal diferença se deve principalmente ao grave aumento do preço dos alimentos”, diz o relatório do Unicef.
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