Família diz que jovem do PA morto na guerra da Ucrânia viajou sem informar destino; ‘Era o sonho dele’


O corpo de Tiago ainda não foi resgatado do local onde ele morreu. Tiago da Silva Nunes encontrou um amigo do Paraná e seguiu para Ucrânia
Família/Arquivo Pessoal
A família do jovem de Rurópolis, sudoeste do Pará, Tiago Nunes, de 19 anos, morto em combate na guerra da Ucrânia, disse que ele embarcou para o país sem que ninguém soubesse.
Vanessa Nunes, irmã do jovem, explicou ao g1 que Tiago era reservado sobre suas viagens e frequentemente mentia sobre seus destinos. “No dia 28 de outubro, ele viajou. Comprou passagem e tudo, mas nunca falava para onde ia. Muitas vezes dizia que estava indo para Manaus ou Mato Grosso. Só depois de alguns dias mencionou que estava na França. Mas descobrimos por outra pessoa que ele não estava na França, e sim na Ucrânia”, revelou.
A irmã ainda afirmou que o jovem não costumava compartilhar detalhes sobre suas decisões, o que dificultou a compreensão da família sobre os motivos de sua viagem.
Ainda de acordo com a irmã, após pressionarem, ele contou sobre o sonho de ir para Ucrânia. No caminho, Tiago se encontrou com outro jovem brasileiro, do Paraná, que também foi lutar no conflito. Após quatro dias de viagem, ele chegou ao destino.
“Aí ele foi e falou a verdade. Que ele estava na Ucrânia. Foi servir lá, e que era o grande sonho dele, né?!”, contou.
Durante o período na Ucrânia, manteve contato esporádico com a família. “Na segunda-feira, ele falou com a minha mãe, dizendo que iria sair para uma missão e que voltaria em quatro ou cinco dias. Mas, ontem pela manhã, recebemos a notícia de que ele havia sido ferido e não resistiu”, disse a irmã.
O general responsável pela unidade em que Tiago servia entrou em contato com a família, explicando as dificuldades para resgatar o corpo devido aos intensos bombardeios na região.
“Os corpos dele e de outra vítima estão em território de difícil acesso, e as equipes ainda não conseguem chegar sem risco de também serem atingidas”, explicou Vanessa.

Segundo a irmã, Tiago havia começado a estudar idiomas e se preparar para essa experiência desde o ano passado. Ele tirou passaporte, providenciou o visto e comprou as passagens por conta própria, possivelmente com apoio de contatos feitos em um site internacional de voluntários.
Um menino extrovertido, mas que às vezes se isolava
Tiago Nunes foi aluno da professora Neuzandes Costa, em Rurópolis. Ao g1, a professora contou que ele nunca manifestou em sala de aula o desejo de ir para a guerra. “Às vezes ele demonstrava um comportamento diferenciado dos outros colegas, às vezes era extrovertido demais, como ele aparece aí nesse vídeo (abaixo). Nesse dia aí, foi na minha aula. E às vezes ficava isolado, num canto pensativo, às vezes se retirava da sala, demorava lá fora para retornar, e eu via que alguma coisa incomodava de ele”, contou.
Tiago Nunes com os amigos em sala de aula no ano passado
Ainda de acordo com Neuzandes, uma vez ela conversou um pouco sobre religião na sala, e Tiago falou que era de uma religião de matriz africana, mas que ele não podia manifestar a religiosidade dele por causa do preconceito. A professora então disse ao jovem que na sala de aula ele poderia falar sobre a sua religião à vontade, porque ali é um espaço da diversidade, em que cada um tem que respeitar a religião, a cultura de cada um.
“E aí foi o dia que ele falou um pouco sobre a religião. Os outros colegas, né, por não serem a maioria cristãos, ouviram, ficaram atentos ao que ele estava dizendo, o que ele explicou. Foi um dia, assim, diferente, que ele teve a oportunidade de falar. E mais para o final do ano, ele foi ficando, assim, se isolando mais, ficava meio triste, meio deprimido”, relatou a professora.
Apesar de alguns momentos, preferir ficar mais isolado, sempre que um assunto da atualidade era abordado na sala, Tiago dada sua opinião. “Sempre que tinha oportunidade, quando era um tema mesmo da atualidade, ele sempre dava a opinião dele de uma forma bem longa, quando ele se expressava, ele falava, ele conseguia falar sem timidez”, pontuou.
A notícia da morte
A notícia sobre a morte de Tiago Nunes teria chegado à família dele em Rurópolis por meio de uma mensagem enviada via Instagram por um colega do jovem, que também está na Ucrânia.
“O que os colegas me falaram ontem na escola foi que um outro colega dele de lá entrou em contato pelo Instagram, porque não tem só o Tiago lá, tem outros colegas, inclusive meninos de Itaituba também, contando que o Tiago tinha morrido. Eu não sei como que eles conseguiram formar esse grupo e irem para lá. A gente sabe agora que eles tinham em comum esse sonho, esse é o primeiro ponto. E esse colega dele de outro município, que estava lá, entrou em contato pelo Instagram. Ele é brasileiro também”, relatou a professora Neuzandes Costa.
A professora disse que levou um susto ao saber que Tiago estava na Ucrânia e tinham outros três meninos da escola que já estavam se preparando para ir. Outros alunos contaram à professora que os jovens fizeram inscrição como voluntários em um site e ficaram aguardando o chamado.
“A princípio, quando falaram que ele estava lá, a gente levou um susto. Como assim, de Rurópolis para um lugar tão distante. Aí, depois que a gente soube que ele estava lá, a segunda notícia foi essa do falecimento dele”, lamentou.

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