Mães relatam desafios para evitar uso excessivo de telas na infância dos filhos; médica faz alertas


Ansiedade, dificuldades no desenvolvimento social e distúrbios do sono são alguns dos problemas desencadeados por consumo desenfreado, alerta especialista. Epidemia da ansiedade: número de crianças atendidas no SUS é maior do que adultos
O clique que dá início ao dia dita a rotina do estudante Nicolas Bertoluci, de 6 anos, em Ribeirão Preto (SP). Às 9h30, ele já passou duas horas em frente à TV na sala da casa onde vive com a mãe.
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“A gente acorda cedo, às 6h, e ele sai da cama e vem para a TV, enquanto vou tomar banho e me arrumar para trabalhar. A hora que eu termino, eu o arrumo e ele fica o dia todo na escola. Às 18h, eu o busco e voltando para casa, a primeira coisa que ele faz é ligar a TV”, afirma a supervisora de RG Rafaella Amarante.
“Às vezes eu brinco um pouco de bola, mas eu gosto de ficar mais na TV”, afirma Nicolas.
O estudante Nicolas Bertoluci, de 6 anos, passa a maior parte do livre na frente da TV
Reprodução/EPTV
Rafaella busca formas de mudar a preferência do filho, propondo jogos e brincadeiras. No entanto, ele só brinca se for com a mãe e ela só consegue manter a distração dele longe da tela até onde o tempo e outras obrigações permitem.
“Como eu sou sozinha, eu tenho toda a rotina da casa. Mesmo assim eu tento. Às vezes eu converso até de uma forma mais pesada de que ele não vai se desenvolver, que ele não vai crescer, que ele precisa aprender a brincar, a socializar, ser criativo. E aí ele fala que não gosta”, diz a mãe.
Para Rafaella, o filho desenvolveu sinais de um comportamento ansioso. “Eu percebo que ele fica muito ansioso, que é o que gera muito medo. Ele não fica sozinho e tem medo de tudo. Ele tem muita retração e está sempre grudado em mim, então eu percebo que isso impede um pouco a autonomia dele.”
Rafaella propõe jogos ao filho Nicolas, de 6 anos, para fazer com que ele saia da frente da TV
Reprodução/EPTV
Ansiedade na infância cresce
De acordo com o último mapeamento global de transtornos mentais feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem a população mais ansiosa do mundo, com aproximadamente 9,3% dos brasileiros.
Nos últimos dois anos, o número de crianças e adolescentes atendidos na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS) foi maior do que o de adultos com o transtorno.
Em 2023, a taxa de pacientes de 10 a 14 anos foi de 125,8 a cada 100 mil;
Entre adolescentes com idade de 15 a 19 anos, a taxa foi de 157 a cada 100 mil;
Entre pessoas com mais de 20 anos, a taxa foi de 112,5 a cada 100 mil.
Segundo a psiquiatra da infância e adolescência Taciana Contijo da Costa Dias, os sinais que demonstram ansiedade são taquicardia, tremores. Crianças podem desenvolver dor de barriga, dores pelo corpo e sintomas mais emocionais.
“Medos frequentes, dificuldade de se afastar dos pais por medo de que algo possa acontecer, antecipação de algo de uma forma negativa, alteração da autoestima. Tudo isso são sinais que indicam que pode haver ansiedade”, diz Taciana.
A psiquiatra da infância e adolescência Taciana Contijo da Costa Dias
Reprodução/EPTV
Atenção voltada ao celular ou à TV
Além da pandemia, que interrompeu fases importantes de troca e desenvolvimento para essas faixas etárias, problemas familiares, traumas e hábitos de vida influenciam no aparecimento de transtornos de ansiedade.
Entre os motivos, existe uma prática que se intensificou durante o isolamento social e persiste na maioria dos lares mesmo após o fim dele: o uso de telas.
A exposição excessiva ao celular, à TV ou ao tablet, seja com vídeos, redes sociais ou games, é apontada pelos especialistas como um dos principais fatores de comprometimento da saúde mental.
“As telas e as redes sociais geram um impacto múltiplo, desde mudanças nos hábitos de vida, então elas acabam gerando uma redução do sono e isso leva a um comprometimento da saúde mental. Eles passam a fazer menos atividade física porque estão mais interessados em ficar na tela e aí tem os riscos, as questões especificas relacionadas às redes sociais, que são possibilidade de cyberbullying, exposição a informações sensacionalistas ou incorretas que podem gerar ansiedade e preocupações extras, e aquela exposição a comparações”, afirma a médica.
Criança brinca com celular em Ribeirão Preto
Reprodução/EPTV
Tem tempo certo para expor as crianças às telas?
Especialistas como a psiquiatra recomendam o seguinte uso:
Sem telas até os dois anos de idade;
Dos dois aos cinco anos, o limite deve ser de uma hora por dia;
Após os cinco anos de idade, a exposição pode ser ampliada, desde que a criança tenha outras atividades, como brincadeiras ou prática de esportes.
Rafaella está buscando ajuda profissional e formas de diminuir o tempo que o Nicolas passa na frente da TV.
“Eu tive uma infância que eu brinquei muito e aí eu fico com dor no coração porque ele não brinca e eu queria resolver isso na infância, até os 7 anos, para que ele também seja feliz e demonstre mais essa alegria com as coisas simples da vida.”
Nicolas Bertoluci, de 6 anos, passa a maior parte do tempo livre na frente da TV
Reprodução/EPTV
Dá tempo de mudar os hábitos da criança?
Na casa da executiva de negócios Malu Lanza Sanches, o dia com os filhos Pedro Lucas e Benício começa ao redor da mesa com o café da manhã, conversa e depois, tem leitura.
O estilo de vida foi estipulado pela mãe há um ano e meio depois que ela percebeu que os meninos estavam agitados e com o sono prejudicado pelo uso excessivo de telas. Com muita conversa e informação, ela mostrou a eles que o tablet e a TV não faziam bem a eles.
Os irmãos passaram a jogar videogame e a assistir à TV somente aos finais de semana e com regras.
“É desafiador. A gente tem que insistir porque não vai ser uma, duas, três vezes. Eles vão questionar. ‘Por que tal pessoal pode e eu não?’ Olha, você não pode, mas você tem isso aqui para a gente brincar, nós fazermos juntos. É esse cuidado de explicar e deixar muito claro para eles”, diz Malu.
Malu, Benício e Pedro Lucas tomam café da manhã juntos na casa da família em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
Apesar de ter encontrado dificuldades no início, hoje, Pedro Lucas, de 11 anos, entendeu que a mãe estava buscando o melhor para ele e o irmão caçula.
“No início, eu achava bem difícil, porque eu chegava em casa, fazia as minhas coisas e ia direto para o videogame. Aí chegou uma época e minha mãe não deixou mais, e eu comecei a ficar questionando. Depois, acostumei completamente. Já é normal ficar sem a tela, eu não sinto falta”, comemora o estudante.
Tempo livre para conexões
O resultado é tempo para interagir com outras pessoas de verdade, explorar a criatividade, cultivar um hobby e brincar para se desenvolver de forma saudável.
“O cérebro da criança e do adolescente está crescendo e criando conexões. Quanto mais estilos variados ele tem, mais conexões ele vai criar, mais habilidades ele vai desenvolver. Se a criança fica só na tela, ela não vai desenvolver conexões. Se ela joga futebol 24 horas por dia, também não vai. Ela vai desenvolver só o futebol. É importante essa diversificação de atividades, de estímulos e lembrar sempre da atividade física, da alimentação, do sono e do convívio social. Eles são fundamentais para o desenvolvimento da criança”, afirma a médica.
Benício se diverte com o tablet, mas ele é usado com regras aos finais de semana telas Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
Segundo Malu, lutar contra as tendências não é fácil, mas quem enfrentou o desafio como ela, vê que a vida caminha em um ritmo melhor.
“Vamos plantar uma sementinha e fazer algo diferente para o nosso filho, para ver se ele sai um pouquinho da tela? Se isso está te incomodando e você não sabe como fazer, eu acho que essas doses homeopáticas de coisas que a gente tem no dia a dia para usar a criatividade deles vão ajudar bastante.”
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