Cabeça de 8 kg, camarim localizado pelo cheiro e sigilo para lavar: atores que vestiram Vinicius e Tom lembram vida de mascote na Rio 2016


Um acordo de confidencialidade de 10 anos foi firmado com a equipe que trabalhou com as mascotes e ele terminou ano passado, em 2023. As mascotes são desenhadas para representar a cultura de um povo e serem traduzidas para uma audiência global. Relembre as mascotes cariocas após 8 anos das Olimpíadas no Rio
Com a chegada das Olimpíadas de Paris, o saudosismo tomou conta dos internautas brasileiros, e diversos vídeos das apresentações das mascotes da Rio 2016 começaram a viralizar, principalmente após o lançamento da parisiense Phryges, conhecida como gorro da liberdade, símbolo da Revolução Francesa.
Para saber as curiosidades e bastidores da produção de Vinicius e Tom, símbolos da fauna e flora brasileira, o g1 ouviu os atores e gestores que deram vida às personagens. Até o ano passado, eles não podiam dar entrevista por causa de um acordo de confidencialidade.
Os atores revelaram as inspirações por trás de danças enquanto tocavam hits como “Vou desafiar você”, do MC Sapão, nas arenas olímpicas do Rio. Também deram detalhes de situações nada olímpicas, como do cheio exalado pelas roupas após horas de uso e a luta para equilibrar as cabeças de 8 kg dos personagens.
As queridinhas mascotes, sempre presentes em competições como Copa do Mundo e Olimpíadas, são desenhadas para representar a cultura de um povo e, ao mesmo tempo, serem traduzidas para uma audiência global, de acordo com a gestora do projeto da Rio 2016, Heloísa Queruz.
“Elas devem representar valores universais como amizade, respeito e fair play (jogo limpo). Devem falar com as crianças, mas também ressoar com os adultos. As mascotes são as grandes embaixadoras dos Jogos Olímpicos, criando uma conexão emocional com todos”, explica.
Mascotes em ação
Por trás das fantasias, mais de 30 pessoas estiveram envolvidas para fazer a mágica acontecer, de acordo com a gestora do projeto. A equipe se dividiu entre as diversas arenas e instalações esportivas, com um detalhe importante: as mascotes nunca poderiam aparecer em dois lugares ao mesmo tempo.
Eram 3 pessoas para cada mascote, sendo 2 atores que se revezavam e utilizavam a mesma fantasia, e 1 coordenador que dava todo o suporte necessário. As aparições em locais públicos contavam com uma van-camarim para que os intérpretes se vestissem durante o transporte entre locais e não fossem flagrados pelo público.
Para saber mais das situações inusitadas vivenciadas pelos atores, o g1 ouviu Rodrigo Nunes e Aylla Laceda, os artistas que mais frequentemente deram vida a Vinicius e Tom, as mascotes olímpica e paralímpica, respectivamente.
Devido ao desgaste físico, eles só poderiam ficar no máximo 20 minutos dentro da fantasia. Depois disso, deveriam sair de cena e revezar a fantasia com outro ator. Os atores e produtores afirmam que as vestimentas ficavam muito suadas no final das apresentações.
“Nós encontrávamos o camarim pelo cheiro forte que vinham das roupas”, disse Heloísa.
De acordo com a produção das mascotes, as fantasias só poderiam ser lavadas em lavanderias especializadas para evitar vazamentos, e mesmo assim, isto aconteceu.
Após levar fantasia para lavanderia, uma foto da vestimenta de ‘Vinicius’ vazou durante as Olimpíadas
Arquivo pessoal
Aylla contou ao g1 que utilizava um macacão especializado para que seu corpo encostasse o mínimo possível no suor acumulado na fantasia.
“Eu preferia vestir o dia inteiro para não revezar suor com outros atores”, diz a intérprete, que ri da situação.
Entretanto, isso não era possível. A atriz que interpretou o Tom conta que, na primeira versão da fantasia, a cabeça da mascote que representava a flora brasileira pesava cerca de 13 kg e era presa ao corpo por uma cinta. Depois, com o aperfeiçoamento das outras versões, os fabricantes conseguiram reduzir o peso para 8 kg.
“Foi um dos trabalhos mais difíceis da minha vida. Teve uma vez que eu estava com crise de coluna e tive que vestir o Tom. Sempre tive muito cuidado com isso, em relação à minha integridade física. Foi muito difícil, mas muito gratificante. O ápice de tudo foi o encerramento das Paralimpíadas, quando eu me apresentei com a Ivete Sangalo e estava chorando por dentro”, diz.
Para Rodrigo, a intensa emoção sentida não foi diferente. Ele conta que interpretar Vinicius o salvou de uma depressão.
“Descobri uma depressão em meados de 2015 e no meio do processo de trabalho, em que eu estava viajando o Brasil inteiro. O Vinicius me ajudou a me libertar dessa depressão. Quando eu botava a fantasia, virava uma chave em mim. Receber abraços de crianças, adultos, pessoas com deficiência, receber os elogios das pessoas. O trabalho me fazia sair de casa, e eu passava mais tempo sendo Vinicius que Rodrigo. Ele foi uma peça-chave. Eu precisava ser o Rodrigo que eu sempre fui, alegre. Me trouxe de volta”, lembra.
Sobre o processo criativo que deu origem aos diversos vídeos de Vinicius dançando e agitando a torcida, o ator, que também é bailarino formado em jazz, explica que pela proposta de a mascote olímpica ser a mistura da fauna brasileira, optou por criar passos de dança que misturassem ritmos típicos brasileiros.
“Pensei: vou trazer um pouco de cada dança. Vou trazer o samba, coloquei o passinho para trazer o ar da criança arteira, funk na sagacidade de ser engraçado, ser uma criança bagunceira”, conta.
Para as aparições, a produção realizou a confecção de acessórios que eram agregados às fantasias, como o icônico vestido de Vinicius similar ao que Gisele Bündchen vestiu na abertura dos Jogos de 2016 e diversos equipamentos esportivos como luvas de boxe e halteres de levantamento de peso.
Vinicius desfilando com o vestido de Gisele Bündchen ao lado de Tom, na abertura dos Jogos Paralímpicos Rio 2016
Arquivo Pessoal
Apesar de as personagens terem sido apresentadas ao público brasileiro no final de 2014 no Fantástico, o processo de criação começou antes, em 2012. Foram 9 meses de trabalho, da abertura do concurso até a seleção final dos desenhos que deram forma às mascotes brasileiras.
O sigilo
As mascotes são uma das propriedades dos Jogos que mais desperta curiosidade do público e da imprensa. De acordo com Flávio Campos, coordenador de marca, a equipe de criação trabalhou sob sigilo absoluto. A marca foi registrada em uma cidade do interior da Suíça para evitar vazamentos. O que justificava o acordo de confidencialidade com duração de 10 anos, encerrando no ano passado, 2023, para os gestores e este ano para os atores.
“Por pelo menos 12 meses, todo o lixo e material impresso com as mascotes eram armazenados em armários e só foram descartados depois da revelação. Teve jornalista que falou que ia revirar o lixo e ia achar, repórter que entrou em contato dizendo que tinha tirado férias para viajar à Europa buscando em todos os cartórios. Apesar da tensão, achávamos a situação engraçada”, ri o coordenador.
Mesmo com todos os cuidados, a equipe do Comitê identificou um vazamento na véspera do lançamento. Felizmente, ninguém percebeu.
Nomes em homenagem à MPB
Para cumprir as exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI), os nomes das mascotes deveriam seguir várias regras. Entre elas, as personagens não poderiam ter nomes próprios. Mas como elas acabaram homenageando 2 dos maiores nomes da música popular brasileira?
Mais de 200 pares de nomes foram considerados para nomear as criaturinhas olímpicas, finalizando com três duplas finalistas. Mesmo desafiando a regra do COI, o comitê decidiu arriscar os nomes ‘Vinicius e Tom’, em homenagem aos músicos e compositores Vinicius de Moraes e Antônio Carlos Jobim. Os outros pares em jogo eram Oba e Eba e Tiba Tuque e Esquindim.
Entretanto, por uma questão de direito de registro, o desafio de conseguir com que as famílias dos artistas autorizassem seu uso só aconteceu às vésperas da votação para escolha dos nomes.
“A nossa sugestão era que os nomes fossem ‘Vini e Tom’, mas a família de Vinicius só deu a autorização sob a condição de utilizar o nome completo, ‘Vinicius’”, disse Heloísa.
De acordo com a produção, foram produzidas 19 fantasias, sendo 10 de Vinicius e 9 de Tom. Ao final dos Jogos, parte das vestimentas foi dada para o Comitê Olímpico Internacional (COI), para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e Comitê Paralímpico Internacional (IPC). O restante foi incinerado.
As mascotes e suas pelúcias
Arquivo pessoal
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