10 anos sem Ariano Suassuna: Devoto de Nossa Senhora, escritor criou o título ‘Compadecida’ para batizar sua obra mais famosa


Segundo arcebispo, título não faz parte da tradição católica, mas se inspira em características da santa. Segundo arcebispo de Olinda e Recife, título ‘Compadecida’ foi invenção de Ariano Suassuna
“Nossa Senhora é uma figura que domina soberana a minha vida e a minha obra de escritor”. Essa foi a forma como Ariano Suassuna escolheu para descrever sua devoção pela Virgem Maria, como ele mesmo a chamava. Homem de fé, nunca se propôs a separar sua arte da religiosidade, batizando sua obra mais famosa em referência à mãe de Jesus.
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A figura de Maria sempre esteve presente na devoção popular católica e recebeu vários títulos: Virgem Clemente, Misericordiosa, Consoladora dos Aflitos e Auxiliadora são alguns deles. Ariano Suassuna criou mais uma maneira de se referir à Virgem Maria: a Compadecida (veja vídeo mais acima).
“Aqui na tradição religiosa e também na teologia católica, praticamente não se usa o título ‘Compadecida’ para Nossa Senhora. Usamos o título ‘Nossa Senhora da Piedade’, ‘Nossa Senhora das Dores’, ‘Nossa Senhora Adorada’, mas ‘Compadecida’ é praticamente uma invenção de Ariano Suassuna”, contou o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Paulo Jackson, em entrevista à TV Globo.
Natural da Paraíba, foi na cidade de Taperoá, no Sertão do Cariri, que Ariano Suassuna cresceu e absorveu as referências culturais e religiosas que se tornariam uma das principais inspirações para a sua arte.
O título “Compadecida”, atribuído à santa em sua principal obra, embora não seja tradicionalmente ligado a uma figura específica – como a imagem de Nossa Senhora da Piedade – resgata a simbologia da imagem de Maria dentro do catolicismo, como intercessora divina.
“Nossa Senhora é a virgem compadecida, é a virgem da piedade […] e assim recebe todos os filhos sofridos, abandonados, maltratados pela vida. Os sertanejos que vivem a dureza da seca, a dureza da pobreza, a dureza da fome são acolhidos no colo materno da Compadecida. Acho que aqui está a grande característica de Ariano Suassuna, especialmente na sua vinculação de fé com a maternidade de Maria Santíssima”, complementou Dom Paulo Jackson.
A percepção do religioso se confirma nas falas do próprio Ariano Suassuna. Num dos episódios do quadro “O Canto de Ariano”, exibido semanalmente pela TV Globo entre os anos de 1999 e 2006, o artista falou sobre a conexão divina com o feminino que experimentava através da figura Maria.
“Durante um tempo em que estive afastado da igreja, na adolescência, na juventude, eu sentia falta dessa imagem feminina e materna, da divindade que pra mim é ela. […] Acho que, na figura de Nossa Senhora, o próprio Deus reuniu tudo aquilo de que nos dava notícia o Livro da Sabedoria, do Velho Testamento”, comentou Ariano Suassuna, em maio de 2002.
Ariano Suassuna em frente a esculturas representando as três invocações de Nossa Senhora
TV Globo
O Auto da Compadecida
“Valha-me Nossa Senhora, mãe de Deus de Nazaré”. A fala icônica é um dos grandes momentos do personagem João Grilo, quando recorre à Compadecida na hora do julgamento final, na obra mais famosa de Ariano.
A adaptação para o cinema do ano 2000, do cineasta pernambucano Guel Arraes, foi responsável por levar ao grande público a percepção de Ariano sobre sociedade e sacralidade. Para Guel Arraes, a obra se tornou um marco no audiovisual nacional, sendo uma das obras brasileiras mais queridas e reproduzidas pelo teatro.
“O filme passa muito, é muito querido e é muito visto ainda, porque cinema é uma coisa muito fugaz. A peça sempre foi e ainda é, provavelmente, uma das peças mais representadas. […] Trouxe a comédia nordestina de volta. […] Acho que é o padrão ouro da comédia nordestina, brasileira até, é o Auto da Compadecida”, comentou o cineasta.
Nossa Senhora e João Grilo durante o julgamento final
Globo Filmes/Reprodução
O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Paulo Jackson, considera que o humor utilizado por Ariano Suassuna no Auto da Compadecida foi peça-chave para conectar a expressão popular com a realidade sofrida de parte da população.
“Ariano consegue captar o humor típico do Sertão da Paraíba, do Sertão de Pernambuco e associar isso à expressão da fé. […] Quando a gente escuta o grito de João Grilo ‘Valha-me, Nossa Senhora’, na verdade é o grito de todo sertanejo. É o grito de cada pessoa que tem em Maria essa referência de bondade, de misericórdia, de compaixão, de ajuda cotidiana”, disse Dom Paulo Jackson.
Nesta terça-feira (23), completam-se 10 anos da morte de Ariano Suassuna. O escritor paraibano foi velado e sepultado no Recife, cidade para onde se mudou aos 15 anos e permaneceu até o fim da vida. Como forma de homenagear sua trajetória, o g1 e a TV Globo produziram uma série de reportagens resgatando momentos, feitos e memórias do patrono da cultura Pernambucana.
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