2020 no espaço estará focado em Marte


Chegou a hora em que a coluna de astronomia passa pelo seu momento de prever o que vem adiante no próximo ano ou até mesmo um pouco além. Vamos então às previsões de assuntos que vão bombar na astronomia e no espaço!
Se 2019 foi o ano da reconquista da Lua, 2020 estará focado em Marte! Como acontece a cada 2 anos, Marte e Terra estarão em posições favoráveis para lançamento de sondas. Essas situações são conhecidas como “máximas aproximações” e fazem com que o tempo de viagem seja o mínimo possível (em torno de 6 meses), mas principalmente o combustível necessário para a viagem seja o mínimo possível também.
Missão CHEOPS
Telescópio espacial CHEOPS
ESA
CHEOPS é a sigla em inglês para Caracterização de Exoplanetas e é a primeira missão da Agência Espacial Europeia (ESA) para estudar planetas fora do nosso Sistema Solar. O satélite carrega um telescópio de 32 cm de diâmetro para observar exoplanetas a partir do método de trânsito planetário, quando o exoplaneta passa na frente da sua estrela causando uma diminuição do seu brilho total. A missão principal é de caracterizar ou melhorar os parâmetros já conhecidos de exoplanetas catalogados, mas também vai ter espaço para procurar novos exoplanetas em paralelo com a missão TESS da NASA. Se tudo correr como o previsto, ela deve durar pelo menos 3 anos e meio.
O jipe Rosalind Franklin
Jipe Rosalind Franklin
ESA
Até pouco tempo atrás, essa missão da ESA era conhecida por jipe ExoMars, mas, numa justa homenagem, foi rebatizada como Rosalind Franklin – uma química inglesa que teve papel fundamental na compreensão da estrutura das moléculas de DNA e RNA entre outras. A missão é uma parceria da ESA com a agência espacial russa Roscosmos na sequência da missão malsucedida Schiaparelli de 2016.
A missão era composta por um módulo de pouso, a Schiaparelli, e um satélite para medir gases na atmosfera de Marte – mas os gases que são minoria em sua composição, como o gás metano. O módulo funcionaria como uma estação meteorológica, mas principalmente testaria os procedimentos de pouso suave em Marte que a antiga União Soviética e a atual Rússia nunca conseguiram dominar. Os procedimentos falharam e a Schiaparelli virou uma cratera preenchida por metal retorcido.
Na missão atual, planejada para voar em julho, haverá também uma base fixa construída pela Roscosmos chamada Kozachok que deve liberar o jipe Rosalind Franklin para percorrer a superfície marciana. A base também deve funcionar como estação meteorológica, mas também deve efetuar estudos no solo ao seu redor. Já o jipe carrega um módulo de pesquisas batizado de Pasteur, em homenagem ao biólogo e microbiologista francês Louis Pasteur que, entre outras façanhas, criou a vacina antirrábica, o processo de pasteurização e atuou intensamente na prevenção de doenças infecciosas.
A homenagem a Pasteur não é à toa. O módulo possui equipamentos destinados justamente a estudar a possibilidade de vida em Marte. Entre outras coisas irá procurar por depósitos subterrâneos de gelo (com capacidade de perfuração e aquisição de amostras) e terá um laboratório para identificação de moléculas orgânicas, que podem denunciar a atividade de vida microbiana, nem que tenha sido em um passado remoto.
Se tudo correr como planejado, a sonda deve alcançar Marte bem no final do ano e nos resta torcer para que dessa vez a sorte dela seja melhor que a da Schiaparelli.
Mars 2020
Jipe Mars 2020
Nasa
A missão Mars 2020 se refere ao irmão gêmeo do jipe Curiosity que atualmente explora Marte. A história dele é bem peculiar. Quando o Curiosity foi lançado, seu nome era Laboratório de Ciências de Marte, ou MSL na sigla em inglês. Só depois ganhou o nome Curiosity. Mas, pelo grande peso do jipe, o seu procedimento de pouso teve de ser inteiramente revisado e um novo e inédito procedimento teve de ser desenvolvido. As etapas de pouso envolviam frenagem aerodinâmica, paraquedas, içamento por um guindaste e uma queda livre de poucos metros. Tudo isso em perfeita sincronia, tudo milimetricamente calculado. Essa etapa da missão ficou conhecida como “7 minutos de terror” de tão apavorante que ela se mostrava.
Ninguém tinha certeza de que tudo ia dar certo, e uma réplica do MSL foi construída para ser usada posteriormente, caso o jipe se perdesse nesse procedimento. Acontece que todos os sistemas funcionaram e o jipe fez um pouso perfeito em Marte e está até hoje trabalhando. Assim ficou a pergunta, o que fazer com o jipe reserva? A resposta foi “vamos mandá-lo para Marte!” e assim nasceu a missão Mars 2020, que em breve deve ser rebatizada através de um concurso público, como foi com a Curiosity.
Uma vez que a missão foi se concretizando, novos e melhores equipamentos foram sendo incorporados ao novo jipe, de modo que ele deve partir com novos objetivos. Um deles é estudar e coletar amostras de locais interessantes do ponto de vista astrobiológico para que num futuro próximo elas sejam enviadas à Terra. Outra curiosidade do Mars 2020 é que ele vai levar um “Martecóptero” de carona. Esse helicóptero marciano é um drone adaptado às condições de Marte, que exigem muito mais de suas hélices para decolar e se manter em voo, uma vez que a densidade da atmosfera do planeta vermelho é apenas 1% da densidade da atmosfera terrestre. O “Martecóptero” vai acompanhar o jipe de perto, mantendo-o como estação-base, sobrevoando a área estudada e fazendo imagens panorâmicas para auxiliar no mapeamento das regiões de interesse.
Vale destacar que tanto a missão Curiosity e a missão Mars 2020 contam com a participação fundamental do brasileiro Ivair Gontijo. Na primeira missão ele ficou responsável pelos equipamentos que mapeavam a superfície de Marte durante os 7 minutos de terror, de modo a escolher o melhor ponto de pouso. Agora na segunda missão, ele desenvolveu a integração entre vários dos equipamentos científicos, fazendo-os se comunicar com o sistema do jipe.
Huoxing-1
Maquete do orbitador e jipe marciano HX-1
CNSA
Quem também está de olho em Marte é a China, que deve lançar entre julho e agosto, sua ambiciosa missão de exploração do planeta vermelho. Ambiciosa no sentido que além de colocar um satélite em órbita de Marte, pretende também pousar um jipe em sua superfície logo na primeira tentativa. A missão tem o nome provisório de Huoxing-1 e vem na esteira da missão mal sucedida de 2012, quando seu orbitador Yinghuo-1 foi destruído com a falha da missão russa Fobos-Grunt. A partir de então a China decidiu por desenvolver seu próprio programa espacial marciano.
O orbitador irá carregar câmeras de média e alta resolução, capazes de identificar estruturas com 2 metros de tamanho e espectrógrafos para identificar a composição química elementar do terreno, além de um radar com capacidade de estudar o subsolo. O jipe também carregará um radar como esse, capaz de penetrar 100 metros abaixo da superfície, além de atuar como estação meteorológica e identificação de campos magnéticos.
Missão Al-Amal
Satélite da missão Al Hamal
Universidade do Colorado
Quem também quer estudar Marte são os Emirados Árabes Unidos, com seu orbitador Al-Amal, ou esperança em português. A missão, a primeira de um país árabe com destino a Marte, representa uma parceria entre o Centro Espacial Mohammed bin Rashid e as Universidades do Colorado e do Arizona, nos EUA. O orbitador deve ser lançado no meio do ano por um foguete do Japão. A chegada do satélite está prevista para o ano que vem para coincidir com as comemorações dos 50 anos da formação dos Emirados Árabes Unidos.
O objetivo da missão é estudar a atmosfera marciana, dando um panorama mais amplo e global. Todos os dados obtidos serão compartilhados entre 200 universidades e institutos de pesquisa do mundo inteiro e de forma gratuita! A missão faz parte do projeto de tornar o país uma nação com economia baseada em conhecimento.
Missão Chang’e 5
Módulo Chang’e 5
CNSA/CLEP
A missão Chang’e 5 é a sequência no programa espacial lunar da China e na verdade deveria ter começado em dezembro do ano passado. Vale lembrar que sua antecessora teve a proeza de pousar de forma segura no lado oculto da Lua e mantém um jipinho robótico operando durante os dias lunares, que representam 14 dias terrestres.
O próximo e ousado passo do programa espacial Chinês é lançar sua nova sonda equipada com um laboratório de análises de solo, incluindo um radar para estudar alguns metros abaixo da superfície e também um braço para coletar amostras a uma profundidade de 2 metros. E o melhor, o laboratório de análises também será responsável por separar as amostras, isolando-as em compartimentos para enviá-las à Terra para estudo! Sim, é isso mesmo! A principal inovação trazida pela Chang’e 5 será coletar aproximadamente 2 kg de amostras do subsolo lunar e enviar tudo para a Terra. A última vez que conseguimos fazer isso foi em 1976 com a missão Luna 24 da ex-URSS enviando 170 g do solo lunar em amostras.
A Chang’e 5 tem um módulo gêmeo, a Chang’e 6, com as mesmas capacidades e que deve ser lançada em 2023 ou 2024 com o objetivo de coletar amostras da região polar sul da Lua. A missão seguinte, a 7, vai estudar com mais detalhes a geologia e topografia do polo sul lunar, para que a missão Chang’e 8 encerre o programa testando tecnologias que serão usadas na futura base chinesa na Lua.
Eclipse solar
Fechando o ano, no dia 14 de dezembro, teremos um eclipse solar. Ele será total para quem estiver no sul do Chile e Argentina e para quem estiver no Brasil será apenas parcial. Nessa condição, quase todo o território brasileiro poderá ver o eclipse, com diferentes níveis de cobertura; quanto mais ao sul, melhor. Na totalidade serão 2 minutos e 9 segundos de escuridão e, se você pretende ir ao Chile ou Argentina para vivenciar essa experiência, é melhor correr. Já está difícil encontrar alojamento e as passagens estão bem caras. Eu estive no eclipse do ano passado no Chile e vou dizer: vale muito a pena!
As constelações de satélites de internet
Satélites da constelação Starlink inutilizam imagem do projeto DES
Johnson/Martinez-Vázquez/Delve
Infelizmente as minhas previsões também trazem más notícias. Desde o ano passado, os astrônomos estão às voltas com as iniciativas de colocar frotas de satélites em órbita da Terra para levar internet para regiões remotas do planeta. A intenção é muito boa e louvável, mas como minha avó dizia: “de boas intenções o inferno está cheio.”
Elon Musk veio com fama de quem ia salvar a humanidade dela mesma com seus modelos de carros elétricos não-poluentes e uma nave espacial capaz de levar duas centenas de colonizadores a Marte. Acontece que ele também teve a ideia de colocar em órbita baixa 12 mil satélites destinados a transmitir sinal de internet rápida para os rincões do planeta. Até o final do ano, estima-se que só a Space X, sua empresa espacial, coloque 700 desses satélites.
E qual o problema? No ano passado, já vimos os efeitos de “apenas” 120 deles em órbita. Durante alguns momentos da noite, os satélites refletem a luz do Sol, tornando-os brilhantes para observadores na Terra. Em alguns casos, os satélites chegam a ter um brilho equivalente a uma estrela de magnitude 3! Isso é mais brilhante que a estrela Intrometida da Constelação do Cruzeiro do Sul, ou seja, é bem fácil de se observar até em uma grande cidade.
Os efeitos já são percebidos pelos projetos de monitoramento do céu, inclusive nossa rede de vigilância contra asteroides e meteoros que possam atingir a Terra. A mais ambiciosa iniciativa de se compreender a energia escura, o projeto DES, também sofre com os satélites da rede Starlink cruzando as imagens. As imagens ficam inutilizadas para ciência e boa parte da noite está perdida.
E o problema só tende a piorar! Recentemente, a gigante Amazon anunciou que vai entrar nessa corrida lançando sua própria rede de satélites. Mais para frente eu pretendo escrever sobre essa grave ameaça em detalhes, mas, por ora, eu torço intensamente para que essa previsão ao menos esteja errada.
No mais, bons céus e feliz 2020!
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