Como amostras de um asteroide levaram à surpreendente descoberta de um mundo oceânico


Muitos dos fragmentos recuperados da superfície do asteroide Bennu contêm minerais que denotam o passado oceânico do mundo de onde ele veio. Imagem feita pela Nasa mostra o asteroide Bennu, que teve uma amostra coletada em 2020 e que chegou à Terra em 24 de setembro de 2023.
Nasa/ Goddard/Universidade do Arizona via Reuters
O estudo de uma pequena parte dos 121 gramas de amostras trazidas do asteroide Bennu pela missão OSIRIS-REx, da NASA, levou a uma descoberta tão surpreendente quanto inesperada. Muitos dos fragmentos recuperados da superfície do asteroide contêm minerais que denotam o passado oceânico do mundo de onde ele veio.
Especificamente, o trabalho de pesquisa agora divulgado, liderado pelo pesquisador principal da missão, Dante S. Laureta, e por Harold Connolly, demonstra a presença de fosfatos e outros minerais que passaram por alteração aquosa generalizada nas rochas coletadas.
Embriões planetários bem hidratados
O início do Sistema Solar foi marcado pelo crescimento dos chamados planetesimais a partir de materiais que se condensaram ao redor do Sol há cerca de 4,565 bilhões de anos.
A colisão entre esses primeiros blocos levou à formação de centenas de embriões de planetas, alguns dos quais eram hidratados e deram origem a corpos planetários ricos em água.
Entretanto, a grande maioria desses embriões planetários foi destruída em impactos colossais que levaram à formação dos quatro planetas rochosos do nosso Sistema Solar. Talvez alguns tenham tido a sorte de estar em locais menos expostos a grandes impactos, como pode ser o caso do maior asteroide do Sistema Solar, Ceres. De fato, esse grande asteroide – hoje classificado como planeta anão – contém mais água do que nosso próprio planeta e é um futuro alvo de missão astrobiológica.
As amostras de Bennu contêm fosfato de magnésio e sódio, o que foi uma surpresa para a equipe de cientistas porque não foi identificado com base nos dados de sensoriamento remoto coletados pela OSIRIS-REx. Esses minerais podem ser encontrados na crosta oceânica da Terra e são característicos de mundos oceânicos. Portanto, sua presença nas rochas trazidas de Bennu sugere que esse pequeno asteroide pode ter se separado de um mundo oceânico primitivo há muito desaparecido.
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Erika Blumenfeld e Joseph Aebersold/NASA
De fato, um estudo recente da dinâmica orbital de Bennu – e também do asteroide Ryugu – sugere que ambos, visitados pelas missões OSIRIS-REx e Hayabusa 2, respectivamente, devem ser provenientes de uma grande família associada ao asteroide 142 Polana, de cerca de 55 km de diâmetro.
Esses aglomerados de rochas, provavelmente produzidos pela fragmentação catastrófica de um corpo parental maior, geralmente ocorrem em determinadas regiões do cinturão principal de asteroides entre Marte e Júpiter. As famílias de asteroides nada mais são do que evidências palpáveis de que corpos maiores foram destruídos por impactos colossais ao longo das eras.
Esses asteroides remanescentes, corpos muito escuros que refletem menos de 5% da luz que recebem do Sol, são responsáveis pelas quedas de meteoritos conhecidas como condritos carbonáceos, alguns dos quais são hidratados. Isso torna sua detecção precoce um desafio para os programas de busca de asteroides.
De fato, não podemos esquecer que Bennu é um dos asteroides em estudo pelo programa SENTRY da NASA por seus futuros encontros próximos com a Terra no final do próximo século, embora sua evolução dinâmica não represente nenhum risco a curto prazo.
A relevância das missões de coleta
Não há dúvida de que o material coletado pela sonda OSIRIS-REx é fundamental para desvendar os processos iniciais de hidratação dos primeiros mundos formados no sistema solar. Mas ele também pode fornecer pistas sobre as propriedades catalíticas dos compostos orgânicos que os minerais imaculados que formam essas rochas podem ter contribuído para o surgimento da vida na Terra.
Além disso, a análise das rochas coletadas da superfície do asteroide Bennu nos lembra da importância de desenvolver esse tipo de missão de retorno de amostras, sem esperar que elas cheguem ao nosso planeta por conta própria. Especialmente porque alguns dos minerais que elas contêm podem não sobreviver aos milhões de anos que a rocha teria de passar no espaço antes de chegar ao nosso planeta, nem à ablação e à desaceleração que a rocha sofreria na atmosfera da Terra, o que faria com que ela perdesse a maior parte de sua massa inicial.
*Josep M. Trigo Rodríguez é o pesquisador-chefe do Grupo de Meteoritos, Corpos Menores e Ciências Planetárias do Instituto de Ciências Espaciais da Espanha (ICE – CSIC)
**Esta reportagem foi originalmente publicada no site “The Conversation Brasil”
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