Lavradores acumulam resgates em operações de combate ao trabalho escravo

O Profissão Repórter desta semana mostrou uma operação coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego que resgatou 23 trabalhadores. Lavradores acumulam resgates em operações de combate ao trabalho escravo
João e a esposa trabalhavam na própria roça, que alimentava 10 filhos num quilombo em Berilo, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais. Em 1994, o vizinho Daniel disse a João:
“Pernambuco, vou falar uma coisa. Se você ficar trabalhando desse jeito você não trata de família, não”. “Será, Daniel?”, perguntou João. “Não trata, não.”
João matutou, conversou com a esposa e decidiu que era a hora de tentar a sorte em outro lugar, ao menos por uns meses. Por três décadas, João viajou regularmente para o Sul do estado e para São Paulo para trabalhar na colheita do café. Às vezes levava a esposa e os filhos, às vezes ia sozinho. Chegava na lavoura por volta de abril e ficava até agosto, dependendo da safra. O dinheiro que ganhou ajudou a criar os filhos, mas deixou marcas.
Na maioria das vezes em que migrou, João não teve a carteira assinada. Trabalhou de maneira precarizada, sem contrato, garantias trabalhistas ou equipamento de proteção individual. Sobre uma das fazendas, diz:
“Lá não tinha registro [em carteira de trabalho], não tinha água, tinha que lavar roupa no córrego, não tinha banheiro, tinha que ir no mato mesmo”.
Ele foi resgatado três vezes em operações de combate ao trabalho escravo e garante que se houvesse mais operações, teria sido resgatado mais vezes.
VÍDEOS: Sem registro, sem salário e sem poder sair: flagrantes mostram trabalhadores em situação análoga à escravidão
Jorge Ferreira dos Santos, da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais, explica que a falta de oportunidades no Vale do Jequitinhonha obriga os trabalhadores a aceitarem propostas de trabalho degradantes.
“A gente costuma a dizer que a pobreza leva os trabalhadores a se submeterem a qualquer tipo de trabalho, infelizmente. A gente não conseguiu ainda achar a porta de saída do trabalho escravo, que seria o desenvolvimento econômico local”, diz Jorge.
Trabalhador foi resgatado duas vezes em operações de combate ao trabalho escravo
Valdecir passou por situações semelhantes. Morador de um quilombo a 20 quilômetros de João, ele foi resgatado duas vezes em operações de combate ao trabalho escravo. As experiências de trabalho degradante vivenciadas por Valdecir o inspiraram a compor uma música, que ele não lembra direito, mas que retrata um pouco das dificuldades que enfrentou.
No Profissão Repórter desta semana mostramos uma operação coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego que resgatou 23 trabalhadores. Em três fazendas, os auditores identificaram trabalho degradante e tráfico de pessoas, além de crime de natureza previdenciária em razão da informalidade na contratação das vítimas. Os proprietários foram obrigados a pagar multas rescisórias de aproximadamente R$100 mil.
Os trabalhadores resgatados foram atraídos por gatos, atravessadores que reúnem mão-de-obra a pedido dos empregadores. Eles são de Caxias no Maranhão e de Berilo e Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha.
Mesmo depois de todas as experiências de trabalho degradante, João segue disposto a trabalhar na próxima colheita:
“O, moço, vou falar a verdade para você. Que aparece [proposta de emprego] aparece. E se aparecer e o menino cuidar da minha casa, eu vou”, confessa.
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Veja a íntegra do programa abaixo:
Edição de 16/07/2024
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