Chacina de Camaragibe: adolescente baleado na cabeça e irmão que o socorreu durante ação policial são ouvidos pela Justiça


Segundo advogada, depoimentos aconteceram no Fórum de Camaragibe e duraram uma hora e meia. Doze policiais são réus por participação nos crimes. Vítimas de sequências de assassinatos em menos de 24 horas em Pernambuco
Reprodução/WhatsApp
A Justiça colheu, nesta terça-feira (17), dois depoimentos no processo sobre a chacina que matou nove pessoas no ano passado em Camaragibe, no Grande Recife. Os depoentes foram o adolescente de 15 anos que foi baleado na cabeça e o irmão dele, de 17 anos, que socorreu o jovem durante a operação realizada na noite de 14 de setembro de 2023.
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Ao menos dois inquéritos relativos ao caso foram concluídos e remetidos ao Judiciário. Ao todo, doze policiais militares se tornaram réus por matar cinco parentes de Alex Barbosa da Silva, suspeito de assassinar a tiros dois agentes em confronto no bairro de Tabatinga. Cinco foram presos e sete respondem em liberdade (relembre abaixo).
Segundo a advogada Aline Maciel, que representa os jovens, as ouvidas foram feitas no Fórum de Camaragibe e duraram, aproximadamente, duas horas e meia. Eles não serão identificados em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Dias após os crimes, o adolescente, que na época tinha 14 anos, disse à TV Globo que foi baleado por policiais militares que entraram na casa da família dele logo depois que o caminhoneiro Alex da Silva Barbosa matou dois PMs no local. A prima do jovem, Ana Letícia, que estava grávida, também foi alvejada após ser feita de “escudo humano” e morreu no hospital um mês depois.
De acordo com Aline Maciel, um PM ajudou o irmão a socorrer o menor de idade, que ficou internado no Hospital da Restauração, no bairro do Derby, na área central do Recife. Nenhum dos adolescentes conseguiu identificar os autores dos disparos, nem o agente que tirou os dois do local.
“Era tanta gente e eles [os adolescentes], o tempo todo, de cabeça baixa, sem olhar para eles [os policiais], que hoje fica difícil o reconhecimento. E a gente conta com a ‘expertise’ da polícia para chegar a essas pessoas para que a gente consiga ter um bom desfecho, que sejam os verdadeiros culpados pagando pelo que cometeram”, afirmou a advogada.
Aline Maciel explicou ainda que os depoimentos foram colhidos com a ajuda de uma psicopedagoga, que repassava para eles as perguntas relacionadas ao caso. Segundo a advogada, o laudo sobre a reconstituição dos crimes, produzido pela Polícia Científica em abril, não foi anexado ao processo e, por isso, a defesa da vítima não teve acesso ao resultado das análises da perícia.
“Se eles conseguirem identificar quem atirou no menor, é tentativa de homicídio e vai a júri popular. Se não, o processo vai ser arquivado porque não vão encontrar indícios de autoria (…). O promotor não tem como oferecer denúncia por não conseguir chegar ao autor dos disparos. Cabe à polícia localizar quem atirou”, disse Aline Maciel.
Procurado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) disse que o processo, por envolver menores de idade, corre em segredo de Justiça na 3ª Vara Cível de Camaragibe e, por isso, não pode divulgar mais informações.
Segundo o TJPE, o julgamento dos crimes que envolvem os adolescentes tramita em separado da outra ação penal, referente à morte de Alex Barbosa da Silva e dos parentes dele, que se encontra na 1ª Vara Criminal.
O g1 procurou a Secretaria de Defesa Social (SDS) e a Polícia Civil de Pernambuco para saber por que o laudo da perícia não foi anexado ao processo. Até a última atualização dessa reportagem, não houve resposta sobre o questionamento.
Denúncia do Ministério Público
Segundo o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), oficiais da Polícia Militar armaram uma emboscada para matar os irmãos de Alex Barbosa da Silva, suspeito de assassinar dois PMs durante um tiroteio. Ainda de acordo com a instituição, eles torturaram psicologicamente a esposa de um dos irmãos de Alex para atrair as vítimas, que foram mortas durante uma transmissão online.
A denúncia foi aceita pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco e, dos 12 policiais tornados réus, cinco tiveram prisão preventiva decretada:
Paulo Henrique Ferreira Dias;
Dorival Alves Cabral Filho;
Leilane Barbosa Albuquerque;
Fábio Júnior de Oliveira Borba;
Emanuel de Souza Rocha Júnior.
Os outros sete réus foram autorizados a responder em liberdade:
Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco;
João Thiago Aureliano Pedrosa Soares;
Fábio Roberto Rufino da Silva;
Diego Galdino Gomes;
Janecleia Izabel Barbosa da Silva;
Eduardo de Araújo Silva;
Cesar Augusto da Silva Roseno.
Relembre como foi a chacina
Polícia conclui segundo inquérito relacionado à chacina de Camaragibe
14 de setembro:
Por volta das 21h, os PMs Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e o cabo Rodolfo José da Silva, de 38 anos, foram até Tabatinga verificar uma denúncia de que um homem estava em cima de uma laje “dando tiros para cima em uma comemoração”;
Esse homem foi identificado como Alex da Silva Barbosa, de 33 anos, mas ele estava treinando tiros numa mata perto do local, segundo a família da grávida Ana Letícia, que é vizinha dele;
Alex não tinha antecedentes criminais e tinha uma arma de mira a laser que era registrada;
Quando a polícia chegou ao local para averiguar a denúncia de tiros, Alex entrou na casa da família de Ana Letícia para fugir da abordagem policial;
Ao ver os policiais se aproximando, houve uma troca de tiros entre Alex e os policiais. Dois PMs foram baleados na cabeça, e ele fugiu;
No tiroteio, também ficou ferida Ana Letícia, jovem de 19 anos que estava grávida de sete meses e perdeu massa encefálica. Ela morreu em 21 de outubro;
Antes da troca de tiros, Ana Letícia estava dando banho no filho mais velho, de 3 anos, e o adolescente tinha ido buscar uma fralda para a criança. Segundo um dos advogados da família, Jean William, Alex fez Ana Letícia de escudo humano;
O primo de Ana Letícia, um adolescente de 14 anos, ajudava a colocar Ana Letícia no carro para levá-la ao hospital quando chegaram mais policiais ao local. Ele disse ter sido agredido pelas costas, derrubado e baleado na nuca por esses policiais;
O irmão de Ana Letícia, Carlos Augusto, contou que foi torturado por policiais depois que a irmã foi baleada. A família também disse que o carro que estava levando a jovem a uma unidade de saúde, foi alvo de tiros dados pela polícia na Estrada de Aldeia.
15 de setembro:
Por volta das 2h, também em Tabatinga, três irmãos de Alex foram baleados por homens encapuzados: Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos; Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos;
O crime foi transmitido ao vivo no Instagram: Ágata e Amerson morreram no local; Apuynã foi levado ao Hospital da Restauração, no Recife, mas não resistiu aos ferimentos;
Algumas horas antes, Agata comentou no Instagram que a mãe foi sequestrada e que teve a casa invadida por mais de 10 homens;
Por volta das 9h, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e de Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27 anos, esposa dele, foram encontrados num canavial em Paudalho, na Zona da Mata Norte de Pernambuco;
Por volta das 11h, durante buscas da Polícia Militar, Alex foi localizado em Tabatinga, trocou tiros com o efetivo e foi morto;
Em 2 de outubro, Ana Letícia, que estava grávida de sete meses quando foi atingida pelos disparos, deu à luz uma menina ainda em coma;
Em 21 de outubro, Ana Letícia, morreu após sofrer um quadro de choque séptico.
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