Após marido conseguir divórcio por falta de sexo, francesa ganha recurso feito a tribunal de direitos humanos


Tribunal decidiu, nesta quinta (23), que a Justiça da França violou o direito de H.W., de 69 anos, ao respeito pela vida privada e familiar. Francesa espera que decisão ajude a mudar leis e marque ‘reviravolta na luta pelos direitos das mulheres’. Decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
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Uma mulher que foi responsabilizada pelos tribunais franceses por seu divórcio, por não fazer mais sexo com o marido, ganhou uma apelação no principal tribunal de direitos humanos da Europa e reacendeu um debate na França sobre os direitos das mulheres.
Por unanimidade, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) decidiu, nesta quinta-feira (23), que a Justiça da França violou o direito de H.W., de 69 anos, ao respeito pela vida privada e familiar.
“No presente caso, o Tribunal não conseguiu identificar nenhuma razão capaz de justificar essa interferência do poder público na área da sexualidade”, afirma o tribunal em comunicado.
A mulher, moradora de Le Chesnay, nos arredores de Paris, se casou com o marido em 1984 e teve quatro filhos com ele.
Ela queria o divórcio, mas contesta ter sido culpada pelo rompimento, argumentando que foi uma intrusão injusta em sua vida privada e uma violação de sua integridade física.
De acordo com sua defesa, em 2002, o marido da francesa começou a abusar-lhe física e verbalmente. Ela citou problemas de saúde e ameaças de violência do marido como razões pelas quais não teve relações íntimas desde 2004.
O fato de um dos filhos do casal ser deficiente mental e físico, e precisar de sua presença constante, também aumentou o estresse no casamento.
De acordo com o comunicado oficial divulgado pelo TEDH nesta quinta, qualquer conceito de deveres conjugais deve levar em conta o “consentimento” como base para as relações sexuais:
A instância judicial “conclui que a própria existência de tal obrigação matrimonial é contrária à liberdade sexual, ao direito de controlar o próprio corpo”.
Foi a própria francesa que pediu o divórcio em 2012. No entanto, ela não aceitou o fato de, em 2019, ao obtê-lo, o Tribunal de Apelações de Versalhes rejeitou suas queixas e decidiu a favor do marido.
Depois que outro tribunal francês indeferiu um recurso, ela recorreu ao TEDH em 2021.
Em uma declaração divulgada por sua advogada, Lilia Mhissen, HW comemorou sua vitória legal:
“Espero que esta decisão marque uma reviravolta na luta pelos direitos das mulheres na França. Agora é imperativo que a França, como outros países europeus, como Portugal ou Espanha, tome medidas concretas para erradicar esta cultura de estupro e promover uma verdadeira cultura de consentimento e respeito mútuo”.
A advogada também disse à agência de notícias Reuters que a decisão não tem impacto no divórcio, que é definitivo. No entanto, elas esperam que ela tenha grande impacto na lei francesa, impedindo que juízes franceses tomem decisões semelhantes no futuro.
“Esta decisão marca a abolição do dever conjugal e da visão arcaica e canônica da família. Os tribunais finalmente pararão de interpretar a lei francesa através das lentes da lei canônica e impor às mulheres a obrigação de ter relações sexuais dentro do casamento”, afirmou.
Caso Gisèle Pelicot: francês que dopava a esposa para estupros é condenado
O Ministério da Europa e Relações Exteriores da França , que representou o governo francês no caso, não respondeu a um pedido de comentário da Reuters.
Emmanuelle Piet, chefe do Coletivo Feminista Contra o Estupro, comemorou a vitória da francesa:
“A Sra. W passou 15 anos lutando essa batalha, e ela terminou em vitória. Bravo! Quando você é forçada a ter relações sexuais no casamento, isso é estupro”.
A decisão do TEDH ocorre em meio a um período de autoanálise na França após o caso de alto perfil de Gisele Pélicot, cujo marido foi considerado culpado de drogar sua esposa e convidar dezenas de homens para sua casa para estuprá-la.
O caso chocou o mundo, reacendeu debates espinhosos sobre os direitos das mulheres na França e transformou Gisele Pelicot em um ícone feminista (relembre no vídeo acima).
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